Siddharta, do Herman Hess, e a Jornada de Aprendizado

Siddharta, do Herman Hess, e a Jornada de Aprendizado

O livro Siddharta, do Herman Hess, foi recomendado a mim há alguns anos por um amigo. Na época o título não foi tão atraente a ponto de me fazer ler, mas como foi o livro escolhido para a pauta da semana do Sátira Platônica, podcast sobre livros do qual faço parte, eu tive que lê-lo. E fico feliz de tê-lo feito. Um livro, no mínimo, interessante.

Essa história de Herman Hess me lembra bastante a jornada de Musashi.

Já falei aqui sobre Musashi, um romance histórico sobre o maior Espadachim de todos os tempos, que se passa no Japão na Era Sengoku (dos Samurais). A história de Musashi enfoca muito o crescimento através de uma jornada de aprendizado. O personagem principal surgiu como um adolescente com excesso de força, passou pelo estágio de guerreiro imbatível até alcançar um nível indo além da arte marcial, se relacionando com a vida como um todo, cultuando vários tipos de arte, como cerimônia do chá, escultura, pintura etc.

Embora Siddharta não tenha se dedicado a jornada através do caminho da arte marcial, ele começou a caminhar na vida em busca de respostas. Passou também por vários estágios e mestres, até chegar ao ponto onde as coisas “clicaram” na cabeça dele e fizeram sentido.

A História

O personagem principal, Siddharta, vive numa comunidade do povo Brahman. Filho de um dos pregadores mais influentes da crença, Siddharta cresceu sendo praticamente treinado para ocupar o lugar do pai, com muitos ensinamentos e muitas práticas de suas tradições. Todo mundo da comunidade o admirava, inclusive seu amigo/seguidor Govinda (que estava com ele em todos os lugares), sempre parabenizando-o por ser inteligente e sábio. Mas ele não era 100% feliz, sentia que faltava alguma coisa. Por mais que Siddharta seguisse os rituais de suas crenças, ajudasse as pessoas, buscassse se purificar… ainda tinha algo dentro dele. Uma sensação de “eu” que nunca ia embora, algo que impedia ele de alcançar a iluminação. Ele se incomodou de tal forma que pediu ao pai para ir embora da vila onde vivia para seguir outro povo, os ascéticos chamados Samanas.

Com uma cultura de peregrenição, sem bens materiais e comendo aquilo que pediam pelas ruas, Siddharta esperava aprender com os Samanas a se livrar do senso de “eu” que tanto o incomodava. Afinal de contas, todo o estilo de vido samana era voltado para a remoção de “camadas”: se livrar da riqueza, se livrar dos bens materiais, se livrar do orgulho (por viver pedindo), etc. E, algum dia, Siddharta esperava remover a camada final, a camada do eu. E assim, ele foi viver nas florestas (seu fiel amigo-escudeiro Govinda o seguiu). Por anos, ficaram vagando pelas florestas e pelas cidades, passando fome e aprendendo a lidar com as forças da natureza. Entretanto, mesmo o aprendizado com os Samanas não foi suficiente para Siddharta: ele continuava a sentir que estava faltando algo. E ele não conseguia se livrar do “eu” que tanto o impedia de ‘iluminar-se’.

A seguir, Siddharta e Govinda deixam os Samanas para trás e vão em busca de conhecer o Buda, denominado Gotama, que tinha ficado famoso recentemente por seus ensinamentos e sabedoria. Ao ouvir os ensinamentos de Buda, Govinda fica impressionado e decide seguir esse mestre. Siddharta, no entanto, vai conversar com Gotama em busca de respostas. Em sua breve conversa com o ‘iluminado’, o jovem discute sobre como acredita não ser possível conseguir se iluminar através de ensinamentos de professores, devido ao fato de existirem coisas impossíveis de se transmitir por palavras.

A partir de então, Siddharta tem um insight, que vale a pena ser compartilhado aqui.

“Eu quero começar meu pensamento e minha vida com o sofrimento do mundo. Eu não quero me matar e dissecar mais, para só então encontrar um segredo por trás de ruínas.”

“Como surdo e estúpido que eu estive! “, ele pensou, caminhando rapidamente. “Quando alguém lê um texto, quer descobrir o seu significado, ele não vai desprezar os símbolos e letras e chamá-los de decepções, coincidência, e casco inútil, mas ele vai lê-lo, ele vai estudá-lo e amá-lo, letra por letra. Mas eu, que queria ler o livro do meu próprio ser, eu tenho, por causa de um significado que eu imaginava antes de eu ler, desprezado os símbolos e letras, eu chamei o mundo visível de um engano, chamei meus olhos e minha língua formas coincidentes e inúteis sem substância. “

Por isso, ele decide fazer parte da vida mundana. Chegando numa cidade, vai até a casa de uma ‘mulher da vida’ de luxo, chamada Kamala. Lá, ele pede para ela o ensinar os prazeres do amor. Para tanto, Kamala disse que ele deveria ter boas roupas, bons sapatos e presentes para ela. Para subir na vida, ele se aproveitou do fato de saber ler e escrever, sendo apresentado pela própria Kamala a um mercador da região, como seu aprendiz. Com o tempo, Siddharta foi aprendendo a ser mercador e ficou rico. Nesse meio tempo, sua relação com Kamala foi ficando mais forte.

Os anos se passaram e Siddharta começou a ser levado pelos vícios do mundo. Começou a ficar fissurado por apostas, sexo e bebida. Até que um dia ele não mais se reconheceu e achou melhor deixar tudo para trás. Chegando numa floresta próxima, ele até pensou em tentar suicídio. Desistiu da ideia e lembrou-se de um balseiro, que ele conheceu anos atrás e parecia um homem muito sereno, sábio e contente. Siddharta foi até ele e pediu para viver junto a ele como aprendiz.

Anos depois, numa peregrinação até o Buda (Gotama), Kamala é picada por uma cobra próximo ao rio. Quem ouve os gritos da criança que a acompanhava foi o balsista e a socorreu para casa. Lá, ela encontra com Siddharta e o apresenta o que seria seu filho, morrendo logo em seguida. A partir deste momento, o filho de Siddharta passa a conviver com ele e o ferreiro na casa simples à beira do rio. O problema é que o garoto é acostumado à riqueza e não se adapta bem, se tornando uma criança rebelde e desobediente. Isso traz muitos sofrimento a seu pai que, depois de muito tempo e muita tentativa de apaziguá-lo, deixa o partir numa fuga.

Esse foi o último grande sofrimento de Siddharta que, ao processar tudo que aconteceu com ele, se torna uma pessoa ‘iluminada’. Ao final do livro, ele ainda encontra com Govinda, seu velho amigo de infância e eles têm um diálogo muito significativo sobre conhecimento e sabedoria (reproduzi um pedaço abaixo).

Citações Interessantes

Sobre aprendizado na vida de monge ou na vida mundana

Eu não posso evitar sentir que não é assim, meu amigo. O que eu aprendi, estando entre os Samanas, até hoje, oh Govinda, eu poderia ter aprendido mais rapidamente e por meios mais simples. Em cada taverna daquela parte da cidade onde prostíbulos estão, meu amigo entre apostadores e jogadores de cartas eu poderia ter aprendido.

Sobre como se posicionar de modo a conseguir o que quer

Quando você joga uma pedra na água, ela irá se mover no curso mais rápido até o fundo da água. Assim é como ocorre quando Siddharta tem um objetivo, uma resolução. Siddharta não faz nada, ele espera, ele pensa, ele jejua, mas ele passa pelas coisas do mundo como uma pedra pela água, sem fazer nada, sem se mexer; ele é levado, ele se deixa cair. O objetivo dele o atrai, porque ele não deixa nada entrar em sua alma que possa se opor ao objetivo.

Essa citação é muito interessante. Não significa que você não deva fazer nada para conseguir o que quer, mas que você não deva ter nada em sua alma que possa te impedir de alcançar aquilo. O desejo, a resolução, tem que estar perfeitamente alinhado com o seu ser. Filosófico, mas prático.

Sobre como viver a vida em busca de algo pode atrapalhar sua espontaneidade

“Quando alguém está buscando”, disse Siddharta, “então pode facilmente acontecer que a única coisa que os olhos dele enxergam é aquilo que ele busca, que ele é incapaz de encontrar qualquer coisa, de deixar qualquer coisa entrar em sua mente, porque ele tem um objetivo, porque ele está obcecado com o objetivo. Buscar significa: ter um objetivo. Mas encontrar significa: ser livre, ser aberto, ter nenhum objetivo.”

Esse ponto é muito interessante. De fato, se focamos em algo, podemos (e vamos) perder a visão geral das coisas, pois nosso foco nos limita (faça esse teste rápido de foco e se divirta com o resultado). E se conseguíssemos nos relacionar com a realidade sem precisar focar em algo? Estando aberto para as experiências e ainda assim construindo projetos e objetivos no mundo? Faço a menor ideia de como fazer isso.

Sobre sabedoria versus conhecimento

Eu não estou brincado. Eu estou te dizendo o que encontrei. Aprendizado pode ser transmitido, mas não sabedoria. Ela pode ser encontrada, pdoe ser viviada, é até possível ser carregado por ela, milagres podem ser performados com ela, mas ela não pode ser expressa em palavras e ensinada.

Livro recomendado para quem?

Apesar do livro não ser muito bom em termos de escrita e ter uma linguagem meio chata, eu recomendo a leitura a todos. Não tem muito conteúdo de qualidade quando se trata de como viver nossa jornada de aprendizado e, no caso de Siddharta, você vai poder garimpar alguns pontos interessantíssimos. Sem mencionar que o livro é pequeno.

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