#2 Entenda a Crise de 2008 – Grécia

#2 Entenda a Crise de 2008 – Grécia

Você já ouviu falar da Grécia no noticiário. Desde 2008, ela é com certeza o país europeu em pior situação financeira por causa da crise mundial. Na realidade, a situação apenas foi evidenciada graças à crise, mas você verá que o problema dos gregos foi (e é) outro.

Uma maneira bem simples de entender as condições que fertilizaram o terreno para a ocorrência da crise na década passada é a seguinte: imagine que os países foram colocados numa sala escura com uma pilha de dinheiro; o que cada um fez com a pilha está mais relacionado com a cultura do lugar do que com a crise por si mesma.

A metáfora é boa, com a pilha de dinheiro representando a onda de crédito barato que surgiu por volta de 2003 no mundo e a sala escura faz referência à falta de fiscalização: como estavam todos otimistas dentro de uma bolha de falso crescimento, ninguém estava fiscalizando as atividades de ninguém.

No casa da Islândia, como vimos, os islandeses queriam parar de pescar e deram asas à megalomania do homens da região. Eles usaram o dinheiro para fazer operações financeiras obscuras, comprar negócios que não tinham ideia de como funcionavam e emprestar dinheiro uns aos outros.

No caso da Grécia, bem:

Pelo que se percebeu, o que os gregos quiseram fazer, uma vez que as luzes se apagaram e eles estavam sozinhos no escuro com uma pilha de dinheiro emprestado, foi transformar o governo deles em uma torta deliciosa recheada com uma fantástica quantidade de dinheiro e dar para o maior número possível de cidadãos um pedaço dela.

Esse é o traço sócio-cultural que você precisa entender sobre os gregos: corrupção lá é comum, principalmente no que toca a impostos.

O Problema da Grécia Não Foi os Bancos

É comum associarmos a culpa de colapsos finaneiros aos bancos. Afinal de contas, o cidadão comum nada tem a ver com essas operações financeiras, defaults, ratings de agências de investimento. “Aqueles malditos capitalistas que só pensam em si!”. Principalmente no caso da crise do subprime, que teve o Estados Unidos como centro e bancos/investidores como agentes, parece natural atribuir a culpa ao mercado financeiro.

Isso foi verdade para os americanos e para os islandeses, como já vimos. Mas não para a Grécia.

Virtualmente sozinhos entre os banqueiros europeus, eles não compraram títulos subprime americanos, ou fizeram alavancagem, ou pagaram a si mesmo enormes salários. O maior problema dos bancos gregos foi que eles emprestaram quase 30 bilhões de euros para o governo – onde foi roubado ou dispersado. Na Grécia, os bancos não afundaram o país. O país afundou os bancos.

Problema Cultural: Cidadãos Sugando o Que Podem do Estado

Há, verdadeiramente, uma cultura de sonegação de impostos na Grécia; é algo generalizado. Quando chegou no país e entrevistou alguns agentes da receita federal (escondido), Michael Lewis ouviu tantas histórias absurdas de esquemas para sonegar impostos, tanto de pessoas físicas quanto de jurídicas, que ele decidiu que não seria interessante escrever sobre elas; eram comuns demais. Mesmo os agentes com quem ele estava conversando, tinha que fazê-lo escondido, para evitar retaliações (um deles já tinha sido rebaixado no emprego por não aceitar propina e denunciar um esquema ilícito).

Bild - Jornal alemão com manchete sobre a Grécia
Manchete sensacionalista de um jornal alemão:”Cada cidadão grego paga 1355 euros por ano em subornos”.  Até compreensível o sensacionalismo, já que eles estão pagando o pato. Se você quer entender como se chegou a esse número, leia mais aqui.

Um exemplo destacado é o caso dos médicos, por exemplo. Quase a totalidade dos médicos do país declaram receber menos de 12 mil euros por ano, o que é ridículo, já que muitos deles vivem em mansões e dirigem carros milionários. De fato, uma maneira bem comum de lavar dinheiro na Grécia é comprar imovél: acredite se quiser, o país não tem um registro nacional da terra, o que facilita operações de compra e venda obscuras.

Contudo, a sonegação de impostos é apenas uma parte do problema. Alguns fatos para te situar:

  • Nos últimos 12 anos, a folha de pagamento do setor público grego dobrou.
  • É presumido que todo mundo é corrupto no governo, então se você quer ir ao médico no sistema público por exemplo, você já espera ter que suborná-lo para ser atendido
  • A média salarial de um emprego público grego é três vezes maior que o preço de mercado
  • O sistema público de ensino é um dos piores da europa, embora empregue quatro vezes mais professores por aluno do que a Finlândia, o primeiro lugar.
  • A idade de aposentadoria para profissões consideradas árduas na Grécia é 55 anos para homem e 50 anos para mulheres. De algum modo, profissões como cabeleireiros, anuciantes de rádio e garçonetes conseguiram entrar na lista de “profissões árduas”.

A ineficiência das obras públicas é gigante; tome por exemplo a construção de uma linha férrea. O ex-ministro das finanças, Stefanos Manos, anunciou que seria mais barato transportar todos os cidadãos gregos de táxi do que concluir a obra do transporte férreo naquele trecho.

Se você não conseguiu entender o grande cenário grego, te explico em poucas palavras:

Culturamente, as pessoas não querem pagar impostos. Junto a isso, eles querem criar o maior número possível de empregos públicos, com salários ridiculamente altos comparados à média de mercado. Além disso, ainda querem se aposentar cedo e receber fortunas como pensão.

Por isso, Michael Lewis coloca:

O custo de gerenciar o governo grego é apenas metade da equação; há também a questão de fluxo financeiro para o governo.

Isso fez a situação grega ser insustentável: não só eles querem empregar gente demais e pagando muito além do justo no governo, como eles não pagam impostos corretamente. De que modo isso poderia ser sustentável? A nível de informação: a dívida grega girava na época em torno de 1,2 trilhão de dólares, sendo 400 bilhões de dívida externa do governo e 800 bilhões de débito interno: pensões, salários, etc.

A Origem do Crédito e o Estopim da Crise

De onde veio a enxurrada de crédito disponível para os gregos? Duas palavras: “União Europeia”. Bem, não diretamente da UE, mas por causa dela. Uma vez que o país entrou na União Europeia, ele pode pegar empréstimos externos a mesma taxa de juros de outras nações mais sólidas. Por exemplo, antes de entrar a Grécia pagava 18% de juros em empréstimos de longo prazo; após tornar-se membra, passou a pagar apenas 5%, o mesmo que países como a Alemanha.

Se você não entende como funciona esses empréstimos, é bem simples: quanto mais confiável for o país e mais sólida sua economia, menor os juros que ele precisa pagar, já que as chances de calote são muito pequenas. Por isso a Alemanha pagava tão pouco e a Grécia, tanto.

O que levanta a pergunta: como a Grécia conseguiu entrar na UE e receber status de país seguro e desenvolvido?

Para ser aceita, a Grécia precisava mostrar indíces econômicos sólidos, que ela não iria no final das contas se afogar em débitos que os outros países do grupo seriam obrigados a pagar (o que, ironicamente, terminou acontecendo). De modo geral, era preciso demonstrar um déficit governamental menor que 3% do PIB e inflação mais ou menos no nível da Alemanha.

Depois de muita manipulação de dados, os gregos entraram para a União monetária europeia, asumindo o euro como moeda do país. E foi então que eles ficaram sozinhos numa sala escura com uma pilha de dinheiro.

Como qualquer um com cérebro deve ter notado, os gregos seria capazes de disfarçar sua verdadeira situação financeira apenas enquanto (a) emprestadores assumissem que um empréstimo a Grécia fosse tão bem garantido quanto um a UE (leia-se Alemanha) e (b) ninguém foram da Grécia prestasse muito atenção.

E, de fato, “a casa caiu” em 4 de outubro de 2009, quando o primeiro ministro Kostas Karamanlis foi deposto. O motivo da queda foi bem ‘bobo’: ao que parece, um monastério bem antigo, o Vatopaidi, possuía as terras por volta de um lago sem valor, que consegui trocar por outros terrenos muito mais valiosos do governo grego. Presumiu-se que eles subornaram alguém de modo milionário, mas nenhuma prova foi encontrada. E esse foi o estopim do bolha.

Monastério Vatopaidi
“Monastério Vatopaidi: o mais inimaginado estopim para uma crise”

Uma vez que o novo primeiro ministro assumiu, George Papandrous, supostamente de uma facção política diferente, ele não teve opção a não ser trazer toda a situação a público, já que encontrou muito menos dinheiro nos cofres do governo do que esperava.

A cadeia de eventos foi:

  1. George declarou que a situação grega estava pior do que havia sido exposto.
  2. Fundos de investimento e de pensão ao redor do mundo que compravam títulos gregos entraram em pânico, uma vez que já estava sofrendo com as perdas devido ao estouro da crise nos EUA.
  3. A Grécia começou a pagar juros maiores em termos de empréstimos externos, por causa de sua situação. Como já estava com saldo negativo, eles precisavam pegar dinheiro emprestado para financiar as atividades do governo, o que se tornou impossível com os novos juros.
  4. Desde então, todo o mundo tem se perguntado se a Grécia abrirá falência ou não.

Um fato curioso é que quando o 1º ministro quis votar um projeto para reduzir pensões e afins, houve vários protestos. Lembra da mentalidade deles de sugar do governo? Bem, eles não iriam querer perder suas pensões, não importa o quão ruim a situação estivesse. Durante um desses protestos, eles queimaram um banco em uma praça:

Que eles queimaram um banco, sob essas circunstâncias, é incrível. Se há qualquer justiça no mundo, os banqueiros gregos deveriam estar nas ruas marchando em protesto contra a conduta moral do tradicional cidadão grego.

Como Está A Situação Hoje?

Crise na Grécia - Cartum

Por mais que pareça o óbvio a se fazer, a Grécia não pode declarar falência. O FMI e o banco central europeu não poderiam mais emprestar dinheiro ao país se ele abrisse falência. Então, os gregos seguem tentando cortar gastos governamentais, com demissão de funcionários públicos, corte de pensões, reajustes de salários… bem, tudo aquilo que deve estar deixando a população bem feliz.

Em paralelo, a Alemanha está, praticamente sozinha, aguentando o tranco. Como a economia mais forte da UE, ela tem sido a maior responsável por colocar dinheiro no banco central europeu para socorrer os países em crise. Isso já levanta outro ponto, se é justo para os cidadãos alemães estarem pagando por problemas gregos, mas discutiremos isso quando estivermos falando da Alemanha. Em troca desses empréstimos de socorro, países como a Grécia se compromete a cortar gastos e se organizar internamente. Esse é o cenário da UE hoje.

Qual a Moral da História Aqui?

Seja grato pelo fato do Brasil não ser a Grécia. E comece a se preocupar, pois a tendência é caminhar para algo parecido.

Bem, provavelmente o Brasil não vai se desintegrar como a Grécia, pois acredito que a Receita Federal por aqui é muito eficiente, então pelo menos é garantido que o dinheiro continuará a entrar no caixa do governo. Mas, por outro lado, é preciso manter o olho nos gastos per se.

Um país ter uma classe média cuja maior aspiração é ser trabalhar para o governo em setores administrativos, judiciários e fiscais* representa claramente um problema grave. Por trás dessa busca por estabilidade, tão procurada no mundo dos concursos públicos, está a mentalidade de “ganhar bem e trabalhar nada”, ou seja, “sugar o máximo possível do governo, só porque eu posso (ou espero poder, sendo aprovado no concurso)”. Foi esse tipo de pensamento que levou a Grécia onde ela está hoje.

 

Todas as citações desse texto foram retiradas do livro Bumerangue: Viagem pelo novo mundo, do Michael Lewis.

*Antes de receber comentários odiosos, me refiro às pessoas que querem trabalhar com concursos não por vocação, mas com essa mentalidade de ganhar fazendo pouco. Na realidade, não vejo problema algum em fazer o concurso per se; mas sim, nessa mentalidade de buscar segurança à custa de tudo e de entrar para o setor público só porque pode trabalhar menos e nunca ser despedido.

  1. Adorei esse final …Acho o fim da picada pessoas que querem trabalhar pouco e ganhar muito, ou pior não trabalhar e ganhar as custas de quem trabalha (bolsa família , auxílio reclusão,etc) . Todos os dias pessoas com deficiências,física,auditiva e de visão dão o máximo de si , para TRABALHAR, é isso mesmo TRABALHAR, para obter o seu sustento sem depender de ninguém.
    Pra você que é perfeito fisicamente e usa desse artificio para se dar bem em cima que quem realmente precisa de ajuda dos governantes desse país que coisa feia .

    Fica aqui meu desabafo.

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