Você provavelmente conhece Sílvio Santos como aquele velhinho simpático com risada engraçada que apresenta programas de televisão que sua vó adora na emissora SBT. Você pode ou não saber que ele construiu um império televisivo, comercial e bancário saindo lá debaixo, tendo começado como vendedor informal (camelô).
O que você (assim como eu) não podia esperar é que ele tem algo a dizer e a ensinar com toda essa experiência.
A verdade é que mesmo eu sabendo de onde ele tinha visto, eu não fui estudar sua vida em busca de lições porque eu não gostava da pessoa: os programas dele sempre me pareceram idiotas e alienadores. Ainda me parecem, mas hoje já entendo que eles servem a um propósito na sociedade e, na categoria de entretenimento, são muito bem sucedidos.
Acontece que eu caí presa de um viés cognitivo, a tendência do desgosto, quando ignoramos aspectos positivos vindo de pessoas que desgostamos. Por isso não considerei o que poderia aprender com Sílvio Santos até me deparar com uma palestra dele.
Sobre dar ouvido a outras pessoas
Alguém muito inteligente na plateia fez exatamente a pergunta que eu faria caso estivesse lá: “algum segredo, do Sílvio Santos empresário, para nós?”. Ele responde:
Uma das coisas que não deve preocupar quem deve se meter em qualquer tipo de negócio é não se preocupar com os elogios e com as críticas. Se você vai entrar em qualquer mercado, não importa que esse mercado tenha um líder e que você nunca possa se aproximar do líder, se você não sonhar alto, se você administrar bem sua empresa com os pés no chão, não se preocupando nem com o primeiro colocado, nem com o segundo colocado, nem com o último colocado, se você fizer aquilo que sua intuição manda e usar bom senso, deixando de lado a vaidade, você tem todas as possibilidades de conseguir o seu objetivo.
Um conselho válido. Isso não se trata de ser iludido e ignorar o mundo. Fazer o que se deseja mesmo quando existem conselhos para você não fazer não quer dizer ignorar feedback negativo completamente, como se você estivesse evitando olhar o que pode dar errado. Isso é simplesmente estupidez e não o que Sílvio Santos está recomendando.
Você não pode ser idiota. Se o interlocutor sabe o que está falando – teve uma experiência parecida com a sua, domina aquela área ou algo semelhante – você ouve, processa e segue em frente. Se o interlocutor não sabe o que está falando e ainda aconselha que você não faça aquilo, não é que sejam pessoas más, provavelmente estão com as melhores intenções para você. Mas estão errados. Se no melhor de seu julgamento, depois de pesar todos os argumentos, você ainda quiser seguir em frente, vá. Como Sebastian Marshall diz:
Se você tentar se tornar excelente, você vai constantemente ouvir avisos, desencorajamentos e porcaria. Ouça um pouco se a pessoa parece que sabe o que está falando, mas não desencoraje. Se você está tentando ser expansivo e eles estão dizendo para você ser cauteloso, eles provavelmente estão errados e você, certo.
Sobre dominar a segunda posição
Note que Sílvio fala também sobre a segunda posição. Todo mundo conhece bem a briga da SBT com a Globo e sabemos que está mais para um leão destruindo um cachorrinho (pergunte-se quem obteve mais apoio governamental durante a ditadura militar e você entenderá quem está no comando), mas isso não desencoraja ele! Ao contrário do que nossa sociedade imagina, com uma obsessão por padrões generalizados de vitória (“tem que ser o primeiro!”), você pode vencer mesmo sendo segundo lugar. Ou terceiro, não importa.
Veja o exemplo do DuckDuckGo. Um site de buscas, que entrou no mercado para competir com o Google, com uma proposta de privacidade: não rastrear nem usar as informações dos usuários. Dá para ter ideia da insanidade que isso é, competir com o gigante Google? Mas o fundador do projeto, que hoje já é sustentável (faz lucro), entende bem o posicionamento e sabe que pode alcançar os objetivos mesmo estando distante na ordem de domínio. Em uma entrevista, ele falou como dominam só 1% do mercado, mas por ser um mercado tão grande, 1% de algo gigante representa muita coisa e com base nisso eles se mantêm. A proposta é crescer até 5% nos próximos anos.
Mesmo na área do poder, onde teoricamente só o primeiro lugar reina, você pode alcançar seus objetivos estando sempre em segundo. Isso foi algo que aprendi com Harry Potter e os métodos da racionalidade:
A Casa Nobre e Mais Anciã dos Malfoys manteve sua influência sobre a Grã-Bretanha por séculos por entender que você não pode ser sempre o mais poderoso. Algumas vezes, outro Lorde seria simplesmente mais forte e você teria que se estabelecer por ser meramente seu tenente mais poderoso. Você pode construir uma posição e tanto de riqueza e poder durante uma dúzia de gerações ao ser o segundo em comando. Você apenas tem que ser cuidadoso, cada vez, para não deixar sua Casa ser arrastada com a queda do Lorde para quem você servia. Essa era a tradição dos Malfoys, que séculos de experiência tinham aperfeiçoado….
E então Pai tinha explicado detalhadamente a Draco que se ele se deparasse com alguém que fosse obviamente mais forte que ele, Draco não deveria ressentir isso e não deveria negar e não deveria criar uma birra que pudesse sabotar sua posição em potencial, mas que Draco deveria garantir que o lugar dele na estrutura de poder da próxima geração não fosse menor do que segundo.
Granger, aparentemente, nunca teve essa lição dos pais dela, e ainda estava em negação sobre o fato óbvio que Harry Potter estava se tornando mais forte do que ela.
Sobre ter os pés no chão
Algo bem impressionante de se ouvir vindo de alguém que partiu de tão baixo e chegou a um lugar tão alto.
Não tenha dúvida. Só não consegue o objetivo quem sonha demasiado [Note que ele não fala que sonha alto demais, mas demasiado. Hm…]. Só não consegue o objetivo quem pretende dar um passo maior do que a perna. Só não consegue o objetivo quem acredita que as coisas são fáceis. Todas as coisas são difíceis, todas as coisas tem que ser lutadas. E quando você consegue uma coisa fácil, desconfie, porque ela não é tão fácil quanto parece. Continue trabalhando, continue apostando em sua intuição, continue com os pés no chão e não se importe com o que sua esposa fala, com o que seus filhos falam, com o que seus amigos falam, se importe com aquilo que você vive seu dia a dia. Pelo menos foi assim que eu consegui, de camelô a ser banqueiro.
Você pode chegar onde deseja, contanto que esteja operando na realidade. As pessoas confundem estratégia com planos abstratos; o que obviamente é falso. Um bom estrategista tem que ser pelo menos uma mente tática decente; se você começa a planejar sem os pés na realidade, não vai a lugar algum.
Sobre escolher bem as batalhas
Ao ser perguntado por que não utiliza o futebol, fonte óbvia de audiência, Sílvio responde:
Eu lembro de um ano, que eu tentei competir com a Globo e que minha proposta tinha sido até um pouco melhor do que a da Globo. Mas, daí, me responderam que a Globo tinha uma cláusula preferencial e que se ela cobrisse a minha proposta, ela ficaria com os direitos. Depois dessa data, eu vi que qualquer tentativa de se trazer o futebol para outra emissora que não fosse da Globo, seria uma tentativa que não daria resultado.
Ele entende bem que, se você não quer ficar preso em uma disputa onde você corre muito sem sair do lugar, é necessário escolher bem suas batalhas. Não deu para quebrar braço com a Globo nos esportes, então o SBT pegou uma luta (um segmento de mercado) diferente e tem prosperado dentro dela.
Colocando atenção em segundo plano
Ao ser perguntado sobre sua popularidade:
Não, eu nunca me preocupei com isso e eu até me surpreendo com minha popularidade. Verdade. Eu me surpreendo porque nunca foi objetivo meu e as pessoas de imprensa sabem disso. Eu não dou entrevista para meus colegas, eu não vou a programas de meus colegas, porque eu acho que eu exerço minha profissão. Eu faço aquilo que tenho que fazer como profissional […] Eu sempre fiz aquilo que me mandaram fazer.
Excelente observar o Sílvio Santos como fonte de aprendizado. Há um livro sobre a vida dele escrito por um amigo, A Fantástica História de Sílvio Santos, que é comentado no vídeo como muito bom. Está fora de impressão, então vou caçar os sebos da vida atrás dessa obra.
Artigo perfeito! As vezes por julgar e principalmente pelo tipos de programas que o SBT tem; acabo esquecendo que ele passou por uma situação exemplo.
E engraçado, ao ler o texto, foi impressionante. Pois, se encaixa perfeitamente com o que anda acontecendo com minha vida. rs
Continue assim Paulo, excelentes princípios!