Eu sentia orgulho de ser da geração Y. Chegava a encher o peito quando, em uma roda de conversa, alguém levantava o tópico de como essa nova geração é inquieta, ambiciosa e tem todo o poder da tecnologia a seu lado. Riqueza financeira, viagens, emprego de liderança? Logo ali, ao final da faculdade, virando a esquina do processo trainee. Ou ainda melhor, eu fundaria uma startup com minha ideia incrível, nunca vista antes no mundo, ficaria rico e seria um dos líderes mais bem sucedidos da história.
Ser da geração Y também presumia um certo lifestyle. Estar constantemente ocupado, sempre muita coisa a fazer, ter uma deadline apertando em todos os momentos, envolver-se em mais atividades do que possível, dormir mal, viver à base de cafeína, estar o tempo todo disponível online mas sempre ausente, enfim, a vida vinha com uma etiqueta própria ser seguida.
Aos poucos, a realidade foi aparecendo por baixo, nas frestas da porta. Os primeiro sinais não foram nem a ausência de dinheiro ou de sucesso per se, mas o desgaste físico e emocional inevitável para quem vive a vida com esse modus operandi. A falta de conexão com a realidade, o que faz qualquer conjunto de valores (e por conseguinte, a motivação) ter tanta solidez quantoos devaneios de uma criança, também não ajudava.
Ainda assim, quando decidi dar um basta nessa forma de vida, ainda não havia sido significantemente contaminado, talvez apenas das maneiras mais sutis. Uma certa crença dos jovens dessa geração, hoje já pervasiva e espalhando-se a outros setores da sociedade. Como qualquer crença sem base na realidade, ela é danosa a você, ainda mais por orquestrar o tom de sua relação com o mundo a sua volta. É a crença do “ter direito a”.
Houve uma discussão recente sobre como a geração Y se considera especial e que essa é a raiz dos problemas atrelados a ela. Talvez seja. Contudo, acredito que a situação fica mais clara quando enxergamos o que o fato de “se considerar especial” acarreta no que toca ao relacionamento daquele jovem com as outras pessoas e com a sociedade a sua volta. Com esses óculos, podemos enxergar a questão de modo mais claro.
Não se trata apenas de querer ser rico ou ter um emprego legal ou poder viajar o mundo. Esses jovens acreditam, piamente, que eles têm o direito a tudo isso. Como se o universo, em sua concepção, tivesse escrito explicitamente nas leis da físicas que o rege que aquele individuo merece ser bem tratado por todos a sua volta e ter sempre o melhor de tudo. É algo embutido na realidade que o atendente dos correios deveria atendê-lo sorrindo. Que a funcionária da Subway deveria colocar extra bacon como cortesia, por ele ser um cliente fiel. Que o chefe deveria reconhecer como ele é uma pessoa inovadora e antenada, fornecendo-lhe mais responsabilidades, especialmente de liderança. Ah, como ele adora liderança. E, afinal de contas, ele tem direito a tudo isso.
O que, por sua vez, leva a situação a um nível cômico: o Jovem Y também tem um senso distorcido da passagem do tempo. Por estar cercado de tecnologia desde sempre (mesmo que não tenha nascido com ela), seu horizonte para duração das coisas na vida tende mais aos segundos que leva para carregar o facebook enquanto ele reclama da velocidade da internet do que aos anos necessários para a construção de uma vida significativa.
Ele não só tem direito a ser promovido, como ele deve sê-lo depois de 3 semanas de trabalho “incrível” realizado pela empresa. Ou ele quer passar em um concurso público com algumas semanas de cursinho: aprovação é o direito de quem paga tão caro pela mensalidade, afinal de contas.
E esse jovem segue por aí, batendo a cabeça, acreditando que logo, logo alguém vai enxergar sua genialidade e aos poucos o tempo passa e ele cai em crise ao perceber o quanto o mundo é diferente de sua visão de mundo que nunca buscou refinar.
A polícia do português
Um jovem desses, ou alguém contaminado com a crença de entitlement (expressão mais adequada sem tradução exata) e o senso de tempo distorcido, caiu nesse site, estou seguro disso. E me mandou o seguinte email.
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Título: Concordância Verbal
“Você lê tanto e não sabe concordar o sujeito com o seu complemento. ???????”
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Você pode até argumentar que estou inferindo demais em uma evidência pequena, mas não é o primeiro email que recebo do gênero e já consegui enxergar algum padrão, mesmo com uma amostra limitada.
1. Essa pessoa acredita que é um absurdo que eu tenha cometido um erro de português na internet. Ela acredita que é uma ofensa que alguém escreva online e não tenha português perfeito.
2. Essa pessoa acredita que eu devo alguma coisa a ela, como se eu a tivesse desrespeitado por cometer o erro. O direito dela é reclamar, afinal de contas?
3. Ela se acha melhor que o autor do erro por conseguir identificá-lo e precisa deixar isso explícito para se sentir melhor sobre si mesmo.
Eu não tenho problema algum em receber sugestões de melhoria nos lugares onde escrevo. Em alguns projetos, tenho auxílio de um editor para revisar o conteúdo; em outros, é por minha conta. É natural que esses erros existam e, quando alguém me aponta, eu volto lá e corrijo. Simples assim: crítica construtiva, útil e que fará o projeto melhor como um todo.
O que foi totalmente o que essa pessoa não fez ao entrar em contato comigo. Em um dia comum, eu simplesmente ignoraria esse tipo de comunicação – a vida é muito curta para perder tempo com esse tipo de coisa. Contudo, eu decidi responder.
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Que diabos de resposta você espera desse email?
1. “Sim, eu leio muito e não sei concordância.”
2. “Não, eu leio muito e sei concordância, mas cometi um erro. Desculpa se eu ofendi você com um erro de português, que absurdo da minha parte.”
3. “Não, eu não leio e sou uma farsa. Acostume-se”
Estou ocupado demais fazendo trabalho real, criando impacto na vida das pessoas para ser perfeccionista com minha escrita.
Você pode apontar onde estão os erros, contribuindo para melhorar o que está lendo e lidar de modo positivo com o problema que você encontrou. Ou me deixar em paz.
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O perfeccionismo que nos paralisa
Eu não estou iludido aqui: estou razoavelmente longe de escrever um texto livre de problemas gramaticais ou ortográficos. Há muita coisa que eu não lembro e não parei para estudar, como se o certo é bem-vindo ou bem-vindo, ou se boia perdeu o acento com herói, ou se algumas palavras têm hífen ou não. Sem mencionar minha voz como escritor, que ainda estou no começo do processo de desenvolvimento, embora já existam alguns textos que me deixam orgulhosos.
Ainda assim, isso não me impede de escrever. Mesmo quando a audiência é enorme e o conteúdo é exposto para dezenas de milhares de pessoas, como em alguns sites que escrevo. A tensão da publicação do trabalho pode me deixar neurótico em checar e garantir uma linha de argumentação clara e bem baseada, mas nunca a ponto de me impedir de escrever. Ou de publicar, quando é o caso.
Porque não se trata de parecer perfeito. O juízo da minha escrita, algo que os policiais da língua portuguesa parecem não entender, não é a adequação aos padrões normativos. Afinal de contas, a língua é algo instrumental e serve ao objetivo de nos comunicar com as outras pessoas. Se existem regras, é para garantir que todos usem-na de modo mais ou menos padrão para a comunicação seja possível. Escrever com o objetivo de se enquadrar aos padrões da língua é como pintar um quadro com o objetivo de sujar a tela de tinta; algo vazio.
O quadro não vai ser pintado se a tela não for suja, mas isso não significa que esse deva ser seu objetivo. No meu caso, eu sou presunço o suficiente a ponto de almejar levar algum valor para a vida de quem lê, como outros antes de mim foram presunçosos para tanto e mudaram minha vida para melhor. Seja com conteúdo (de livros), seja com uma história, seja com o aprendizado que vem de erros.
Em última instância, eu busco me conectar com o leitor compartilhando minha vida de modo direto e indireto, através de meus pensamentos e ideias. O que pode ocorrer mesmo sem ter um português perfeito, pois não deixo que minha vontade de parecer impecável atrapalhe meu objetivo maior, conectar-me com as pessoas levando-lhes valor.
Talvez seja isso que o remetente do email não entenda. Ela não entende quantas horas de esforço um texto leva para ficar pronto. Quantos dias ele ocupa a mente do escritor antes de nascer. O quanto o autor se tortura ao se debruçar sobre o que escreveu e iniciar o processo de revisão.
Essas pessoas nem imaginam a magia de estar na arena e suor necessário para tanto.
“O que importa não é o homem que critica ou aquele que aponta como o bravo tropeçou, ou quando o empreendedor poderia ter atingido maior êxito. Importante, em verdade, é o homem que está na arena, com a face coberta de poeira, suor e sangue; que luta com bravura, erra e, seguidamente, tenta atingir o alvo. É aquele que conhece os grandes entusiasmos, as grandes devoções e se consome numa causa justa. É aquele que, no sucesso, melhor conhece o triunfo final dos grandes feitos e que, se fracassa, pelo menos falha ousadamente, de modo que o seu lugar jamais será entre as almas tímidas, que não conhecem nem a vitória, nem a derrota.” — Theodore Roosevelt