#4 Entenda a Crise de 2008 – Alemanha

#4 Entenda a Crise de 2008 – Alemanha

A essa altura do campeonato, você provavelmente já ouviu falar da Alemanha nos noticiários e como praticamente ela está mantendo a União Europeia de pé, economicamente. O que você provavelmente não sabe é que os próprios alemães também estão endividados e que perderam muito com a crise.

Como isso aconteceu, se os alemães sempre tiveram crédito barato a disposição (por ter uma economia forte), ao contrário dos outros países estudados? Essa é uma boa pergunta. Talvez uma mistura de ingenuidade e confiança no outro tenha levado a Alemanha a situação atual (ei, eles não estão sofrendo per se, mas carregam o fardo econômico europeu). Vamos enteder por quê.

Sobre a Alemanha

A Alemanha é a maior economia da Europa, a terceira maior quando é considerado o PIB nominal e a quinta maior quando é considerada a Paridade do Poder de Compra. O crescimento de 2007 foi de 2,4%, tendo caído sensivelmente nos anos seguintes. Desde a revolução industrial o país tem sido criador, inovador e beneficiário de uma economia globalizada. A exportação de bens produzidos na Alemanha é um dos principais fatores da riqueza alemã, sendo o maior exportador mundial com U$1,13 trilhão exportado em 2006 (países da Eurozona incluído) e gerou um superávit comercial de €165 bilhões.

Alemanha sobre a crise econômica
“A relação da Alemanha com o euro hoje está mais ou menos assim.”

Embora os dados estejam um pouco desatualizados, dá para ter ideia da potência germânica perante a Europa e o resto do mundo. Exatamente essa supremacia fez com que o país “assumisse” papel de líder nas decisões econômicas europeias (e fato do banco central europeu estar sediado lá, e o fato deles não terem escolha).

O que os alemães fizeram com o dinheiro pré-crise

Eles gastaram em péssimos investimentos nos EUA, Islândia e outros países do gênero. Sim, a maior parte dos investimentos dos bancos alemães foram nos países que se destacaram por saírem em pior situação da crise. Ao que parecia, os alemães estava comprando ações ruins de propósito.

Mas isso não faz sentido, certo? Claro que não. Uma explicação plausível é que eles, os investidores alemães, não tinham a menor ideia do que estavam fazendo. O que ainda é difícil de engolir, haja vista a alemanha ser uma potencial mundial: como diabos eles chegariam a esse nível se os banqueiros não tivessem expertise em seus trabalhos? E não é nem questão de que eles “saíram ganhando” com a situação.

“Os traders americanos podem ter afundado suas firmas por se fazerem de cego em relação aos riscos do mercado subprime, mas eles fizeram fortunas para si mesmos na barganha e, para grande parte, nunca foram chamado à responsabilidade. Eles foram pagos para colocar sus firmas em JEOPARDY, e então é difícil saber se eles fizeram de proósito ou não. Os traders alemães, por outro lado, eram pagos 100k/ano com, no máximo, 50k de bônus. Em geral, os banqueiros alemães foram pagos amendoins para gerenciar os riscos que afundaram seus bancos, o que sugere fortemente que eles realmente não tinham ideia do que estavam fazendo.”

Para entender melhor o cenário, vamos enxergá-lo mais de perto.

Os alemães possuem um traço cultural interessante, de “amor à pátria”, responsabilidade fiscal… um senso de cidadania bem desenvolvido. Eles confiam no “sistema”, respeitando leis e costumes sociais (talvez porque lá o sistema funcione). Por exemplo, você não vê um empregado de alto escalão do governo saindo do emprego e abrindo uma consultoria para ganhar 10x mais com o conhecimento adquirido lá, simplesmente porque eles não acreditam nesse tipo de coisa.

Justamente por isso, eles não cometeram erros dentro da Alemanha. Não podiam fazer empréstimos malucos porque não tinha ninguém a quem emprestar; todo mundo é bastante conservativo lá dentro. Mas, para os mercados externos, eles “liberaram geral” e alimentaram a bolha que veio estourar.

Para “explicar” isso, o Michael Lewis, autor do livro Bumerangue, explica um característica cultural alemã forte: eles têm fascinação por merda. Sim, merda mesmo.

“A palavra alemã para ‘merda’ performa um vasto número de papéis linguísticos – por exemplo, um termo alemão comum para carinho já foi ‘meu pequeno saco de merda’.”

Deu para ter noção, certo? Daí a metáfora do Lewis ficou meio forçada:

“A combinação de limpo e sujo: limpo por fora, sujo por dentro, ou forma limpa e conteúdo sujo – é bastante parte de caráter nacional alemão.”

Aparência de limpeza (comportamento regular diante de outros alemães) e interior sujo (com empréstimos malucos e operações desregradas lá fora). Meio difícil de acreditar, mas se você ler os relatos dos banqueiros americanos em relação aos investidores alemães você verá que não há uma explicação muito clara: eles estavam ativamente comprando ações ruins sem se importar com o resultado. Curioso, no mínimo.

Carregando a Europa nas costas

E então, a crise estourou. O que fazer?

“No momento em que cheguei em Hamburgo, no verão de 2011, o destino financeiro parecia se virar no sentido que o povo alemão pulasse”

Estando o país posicionado como economia mais forte, com mais dinheiro em caixa, há o papel de ajudar a união europeia. Como? Financiando o banco central Europeu, de modo que ele possa fazer aporte nas economias à beira do colapso, como é o caso da Grécia e da Espanha.

Todavia, a questão não é apenas financeira; há uma questão política envolvida: por que o povo alemão deveria pagar pelo comportamento desregrado e pela corrupção grega, por exemplo? Isso parece, no mínimo, injusto.

Preso ao débito
“Débito”. O povo alemão deve estar se sentindo assim.

Discutindo essa noção, há um excelente texto do New Yorker: “A armadilha da justiça“. Dois quotes importantes.

“O problema básico é que nós nos importamos tanto com justiça que frequentemente estamos dispostos a sacrificar o bem estar econômico para impô-la…”

E esse:

“Da perspectiva da sociedade como um todo, preocupação com justiça tem todos os tipos de benefício: ela limita a exploração, promove a meritocracia e motiva os trabalhadores. Mas em uma negociação onde nenhum dos lados pode ter o que realmente quer, e onde a solução menos ruim é tão bom quanto possível, se preocupar demais com justiça pode ser suicídio. Para mover a Europa para longe desse precipício, eleitores e políticos de todos os lados precisam pararem de se perguntar o que é justo e começar a se perguntar o que é possível.”

Eu não sei muito bem o quanto a economia alemã está intrincada com a União Europeia, ou seja, se é possível a Alemanha sair do grupo sem problemas. Se não for, não há muita opção além de fazer o que for possível para evitar o caos completo. Sobre Grécia eu sei, mais recentemente, que o perigo de ser expulsa da UE já passou.

Até agora, os alemães estão sendo rígidos fiscais do Banco Europeu, quando esse trata de ceder pacotes de ajuda aos paises. Os gregos, por exemplo, estão tendo que cortar gastos e mudar alguns paradigmas de governo; caso contrário, adeus grana.Talvez isso seja tudo que eles possam fazer: ajudar, fiscalizar e torcer pelo melhor. Uma coisa é certa: se o mundo sair dessa crise bem, daqui a 15, 30 ou 100 anos, vai ter muita gente com dívida para pagar aos alemães.

  1. Gostei muito do conteúdo oferecido… espero q possa ajudar no meu trabalho… ah…. e gostei muito das fotos, bem interessante.

  2. Oi Paulo, aqui é o Herbert, espero que esteja de vento em popa.

    Em primeiro lugar agradeço por colocar conteúdo de tal valor assim, mastigado. Participo de um grupo de desenvolvimento pessoal, e estamos engatinhando em economia e visão macro, sugeri então que lessem essa série, e também o livro do Michael Lewis.

    Eu mesmo sabia que mesmo com um texto tão simples, minha ignorância e aversão ao tema me impediu de absorvê-lo como devido. Amadureci e voltei, terminando agora os cinco artigos, feliz com ter meu repertório aumentado.

    Lerei mais material do Michael Lewis (há um livro chamado: “A jogada do século/ The big Shot” também dele sobre o tema, você conhece?) e abrirei mais os olhos.

    Não gostaria de fazer um artigo considerando este novo quadro de crise brasileira de 2015, 2016? Não vê uma espécie de rebordosa entre as duas crises?

    Há oportunidades de crescimento enquanto petrolões e petralhas e coxinhas dão show nos jornais e os empregados previsivelmente são demitidos. Há algo positivo, como uma virada de visão, nessa queda da segurança e da cultura do trabalho procrastinatório.

    A ressaca está gerando boas ondas para quem souber surfá-las, e enxergar isso não é tarefa que se faz sem gastar ATP.

    Mesmo você estando tão concentrado nos seus cursos e métodos de ensino, creio que uma análise racional sobre o assunto conseguirá credibilidade no seu bom senso para o futuro para novos leitores.

    Mais uma vez agradeço, por ajudar seu público a “não terceirizar a própria visão”, frase excelente, e que cai bem nesse espírito do tempo tão movediço.

    Grande Abraço, Herbert

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