“Uma pessoa que não lê não possui vantagem alguma sobre quem não sabe ler”
— Mark Twain
Livros são objetos fantásticos. Como Carl Sagan disse, um livro é a prova que humanos são capazes de fazer mágica. Seja para te ajudar na vida, com a experiência acumulada de milhões de pessoas que já viveram, ou para te levar para outros mundos em viagens fantásticas quando o presente não é tão atraente, ler é uma das atividades mais poderosas que a mente humana é capaz de realizar.
Ainda assim, não lemos o suficiente. Falta de estímulo familiar, maus hábitos escolares, ou mesmo problema sociais contribuem para isso; não lemos o bastante e perdemos uma quantidade inestimável de valor no processo. Ao mesmo tempo, criamos uma sociedade analfabeta: aqui no Brasil, o analfabetismo funcional atinge 75% da população geral e 38% dos universitários. Pare um pouco e espere a ficha cair: 3 em cada 4 brasileiros ao menos conseguem interpretar algo que lêem. Nenhum mistério porque o país está do jeito que está.
Ensinar as pessoas como ler é tão importante quanto ensiná-las a ler. Como qualquer atividade, leitura é um processo e pode ser melhorado. Como muitas coisas no aprendizado, simplesmente assumimos que estamos realizando da melhor maneira, sem nunca ter parado para estudar ou mesmo experimentar modos diferentes.
Muito além de juntar letras em palavras, ler é sua forma de se relacionar com a experiência de vida do autor, seja através de informações concretas ou através de histórias. Se te falta uma prática para extrair valor daquilo, você está deixando oportunidades sobre a mesa.
Há algum tempo, eu decidi levar meu hábito de leitura a sério e hoje é um dos pilares mais importantes do meu trabalho. Muitas pessoas me perguntam no Aprendizado Acelerado como fazer uma melhor leitura e extrair mais conteúdo de livros.
Recentemente, até recebi um email de uma leitora contando ter lido A Arte da Guerra, do Sun Tzu, várias vezes e não ter entendido porque o livro é tão celebrado se consta apenas de princípios militares.
Sem um método para extrair o conteúdo de livros, estamos soltos ao acaso.
Os pontos que seguem abaixo são uma sopa, uma grande mistura das melhores práticas que absorvi de várias fontes. Aproveite.
1. Leia muito e diversamente
Em seu famoso livro “Como ler um livro“, Mortimer Adler fala sobre os vários tipos de leitura. O mais básico, que aprendemos durante o processo de alfabetização, é a leitura elementar; simplesmente juntar letras em palavras e palavras em frases.
Como qualquer atividade, você fica melhor nesse tipo com prática simples. Leia tudo, até mesmo bula de remédio (como diz minha mãe). Quanto mais você ler, melhor e mais rápida será sua leitura elementar.
A leitura analítica, aquela que fazemos quando estamos “lendo” algo (aprendendo, extraindo conteúdo), se beneficia tremendamente de contato constante com ambientes diferentes, como ficções históricas, livros técnicos, poemas, tratados militares e poesia de cordel.
Isso faz sentido se você pensar em termos de zona de conforto: para quem lê apenas romances, um livro de poesias é um stress que vai te forçar a entrar na zona de aprendizado, se adaptar e melhorar. Quanto mais você diferenciar, melhor.
É importante também quebrar a mentalidade de “leitura para escola”, ou “leitura de paradidáticos”. Não há regras: você pode ler absolutamente tudo aquilo que desejar.
Qualquer coisa que você aprende se torna sua riqueza, uma riqueza que não pode se tomada de você; seja se você aprende em um prédio chamado escola ou na escola da vida. Aprender algo novo é um prazer e um tesouro valioso. E nem todas as coisas que você aprende são ensinadas a você, mas muitas coisas que você aprende, você percebe ter ensinado a si mesmo
― C. JoyBell C.
Está curioso sobre a vida de Steve Jobs? Quer saber mais sobre marketing para pequenas empresas? Quer entender melhor o ritual de acasalamento das girafas? Há livros para tudo e você é livre para saciar sua curiosidade.
Pessoalmente, mesmo que eu encare leitura como parte do meu trabalho, não parece uma obrigação de jeito algum: eu dou asas a minha curiosidade.
Se quiser recomendações de leitura de qualidade, aqui você vai encontrar bastante.
2. Entenda onde está se metendo
Um outro tipo de leitura trazido por Mortimer é a leitura por inspeção. Se você tem o hábito de visitar livrarias para checar livros, então sabe o que é isso. Trata-se de literalmente inspecionar a obra: olhar capa, verso, sumário, introdução, modo de argumentação, estilo de escrita e afins.
A ideia é buscar conhecimento sobre o livro antes de precisar lê-lo. O que normalmente fazemos para analisar se vale a pena ou não comprar aquela obra pode ser feito de modo sistemático para ajudar no processo de leitura em si.
Levando essa mentalidade um pouco além, você não precisa se restringir à leitura por inspeção para te ajudar no entendimento da obra. Você pode ir além, pesquisando sobre o contexto histórico no qual o autor estava imerso, seu estilo de escrita, as ideias que costumava defender em suas obras e muito mais.
Ler entendendo todo o contexto trará muito mais claridade sobre o que está sendo lido. O mesmo acontece com músicas: se você isola uma canção de seu álbum, perde bastante coisa em termos de sentido, intenção do compositor em criar a música e sobre como as partes se conectam para formar o todo.
Se durante as primeiras 50 páginas você ainda estiver conhecendo o conteúdo do livro, então já está atrasado. Seja em páginas de resenhas, em trabalhos acadêmicos ou em resumos alheios, busque o que puder a respeito do livro antes de iniciar a “leitura tradicional”, de modo a estar bem preparado para absorver o que ele tem a oferecer.
Dê uma passada no skoob e veja os comentários, na Amazon, se souber inglês, na página da wikipedia sobre o autor e sobre o livro, se existirem. Quanto mais importante a obra, mais informações você pode levantar antes de começar a leitura.
3. Não respeite os livros
Eu admito: sempre fui culpado desse crime. Como eu comecei minha jornada pelo mundo da leitura no começo da adolescência, com a série Harry Potter, sempre tive muito apego aos livros. Sempre impecáveis, sem risco ou mesmo amasso nas páginas. Eu ficava em choque quando via as pessoas usando marca-texto e mutilando as páginas com tinta verde.
Há também a mentalidade de livros didáticos que absorvemos da escola. A cultura comum é danificar os livros o mínimo possível de modo a maximizar o valor de revenda quando o ano acabar. Afinal de contas, livros, especialmente os didáticos, são coisa cara.
Felizmente, isso aqui não é a escola, mas a vida real, e esse cuidado extremo é bobagem. Leitura é uma via de mão dupla, um conversa entre o autor e o leitor. Como diz Mortimer:
Ler um livro deveria ser uma conversação entre você e o autor. Presumidamente, ele sabe mais sobre o tema do que você; caso contrário, você provavelmente não deveria se importar com o livro dele. Mas compreensão é uma estrada de mão-dupla; o aprendiz tem que se questionar e questionar o professor, uma vez que ele entende o que professor está dizendo. Marcar um livro é literalmente uma expressão de suas diferenças ou concordâncias com o autor. É o respeito mais alto que você pode prestá-lo.
Para tirar o máximo de um livro, de modo algum você pode valorizar mais a integridade física dele do que esse diálogo com o autor.
Essa prática de riscar, sublinhar, fazer esquemas e capturar pensamentos é o nosso modo de interagir ativamente com o livro, buscando a compreensão ao se perguntar o porquê daquilo. Aliás, esse é um passo essencial para retenção do conteúdo; esse processo de tomada de notas “estendido” já é parte do aprendizado, fase que eu chamo de captura no método que desenvolvi.
Como exatamente ‘vandalizar’ livros nos ajuda a reter o conteúdo? Em duas frentes principais: na compreensão do texto e na promoção de uma melhor organização do conteúdo no cérebro (o que melhora a taxa de aprendizado).
Para ambientes de sala de aula, o efeito positivo da interrogação elaborativa, quando estudantes são perguntados o “porquê” do conteúdo ao qual são expostos fazer sentido ou ser inesperado, é bem estabelecido.
Os estudos mostram como não só o aprendizado factual é melhor, como mesmo quando os estudantes não capturam os fatos, eles são capazes de fazer associações destes de maneira correta. Em nossa leitura do dia a dia, o processo de “vandalizar” os livros é apenas uma aplicação prática da elaboração interrogativa: riscar, sublinhar, anotar, tudo isso são formas de interação ativa que promovem o aumento da compreensão.
Por outro lado, schemas são a unidade básica do conhecimento, o modo como seu cérebro organiza informações e extrai algum sentido delas. Eles são pequenos pedaços da realidade: você possui um schema para representar um carro, outro para melancias, outro para elefantes.
Ao tomar notas, reorganizar argumentos e fazer perguntas, você está intencionalmente integrando as informações novas com aquelas já existentes no seu cérebro, atualizando e criando novos schemas, solidificando o aprendizado. Quando você lê sem esse pensamento crítico em paralelo, o processo é raso e o aprendizado não se passa com a mesma qualidade.
Também por isso que, de alguns meses para cá, eu mudei minha leitura para livros físicos (eu tinha um kindle) e a retenção aumentou sensivelmente. Existe todo aquele fetiche por literatura sim, mas encaro os livros como instrumentos e a melhor maneira deles me servirem é estando “devidamente” processados em minha estante.
4. Mantenha uma coleção pessoal de aforismos, passagens e citações
Depois de terminar de ler o livro, você não pode deixar todo o conhecimento acumulado ali, naquelas mesmas páginas. É preciso desenvolver um sistema para capturar passagens significativas, boas citações e ideias importantes surgidas durante a leitura. Para tanto, aprendi a usar um caderno de notas.
Depois de concluir a leitura, eu deixo o livro decantar por algumas semanas e depois volto a ele para “destilar” meus rabiscos e os trechos significativos que destaquei. Junto tudo: aforismos, ideias, citações, qualquer coisa de valor que possa extrair do livro; escrevo e guardo em meu caderno de notas. Claro, não estou reinventando a roda aqui. Estou usando um sistema adaptado de Robert Greene e Ryan Holiday.
Eu leio um livro, muito cuidadosamente, escrevendo nas margens tudo quanto é tipo de nota. Depois de algumas semanas, eu volto ao livro, transfiro meus rabiscos em cartões de nota, cada cartão representando um tema importante no livro
— Robert Greene
Ao longo da história, várias mentes fizeram o mesmo: Ronald Reagan, Ralph Emerson, Montaigne, Raymond Chandler (que disse “quando você escreve essas palavras, você está mais inclinado a fazê-las valer a pena”), Marco Aurélio (cujo livro de notas deu nascimento a sua obra Meditações) e muitos outros.
E não precisa se resumir a pensamentos extraídos de livros: qualquer coisa importante que você aprender na vida, seja em conversa com amigos, em um vídeo da internet ou aquele insight que vem na hora do banho, escreva! Em última instância, o livro de notas será sua coletânea de sabedoria obtidas ao longo da vida (tal qual foi para Maco Auréio). Como Emerson resume bem:
Faça sua própria bíblia. Selecione e colete todas as palavras e sentenças que, em toda sua leitura, tiveram um impacto tão grande quanto a explosão de uma trombeta de Shakespeare, Seneca, Moisés, John e Paul.
5. Aplique a sua vida
Use o que aprendeu!
Se você passa a enxergar seu livro de notas como mais do que uma coleção de citações (a serem postadas no facebook), você verá a experiência acumulada ali. Milhões e milhões de pessoas já viveram antes de você e deixaram a lições de vida através de suas escritas. Você só tem uma vida, mas pode aprender muito com a experiência daqueles que já se foram.
Quando você olha por esse ângulo, parece até injusto: quem não lê, aprende com experiência direta; no máximo, com experiência de amigos e familiares. Quem lê, pode aprender com a vida de todas as pessoas na história. Como Robert Greene coloca muito bem em sua obra “As 48 leis do poder”:
Você pode batalhar, cometer erros sem fim, gastar tempo e energia tentando fazer coisas a partir da sua própria experiência. Ou você pode usar os exércitos do passado. Como disse Bismarck certa vez, ‘Os tolos dizem que aprendem pela experiência. Eu prefiro aproveitar a experiência dos outros’.
A manutenção e o uso de um livro de notas é facilmente justificado para mim, já que me serve muito bem durante minhas escritas e palestras. Mas é de serventia para todo mundo: faço uso desse conhecimento em emails para amigos, documentos, quando busco guia para problemas pessoais, para oferecer conselhos para pessoas em dificuldades. Se você tem acesso a essa poça de experiência, é melhor utilizá-la.
Comece agora!
Se você sente que pode absorver melhor o conteúdo dos livros que lê ou se acredita ter dificuldade em tirar lições práticas da leitura, manter um livro de notas é definitivamente algo para você.
É um projeto para a vida toda, também; eu comecei há pouco tempo, quase um ano, e tenho algumas centenas de notas acumuladas. Elas são uma das minhas posses mais valiosas.
Comece primeiro, estruture um sistema depois. Vai valer a pena, eu prometo.
—
Texto originalmente publicado no Papo de Homem.
Olá Paulo,
Obrigado por compartilhar suas dicas.
Confesso que tenho me dedicado muito a leitura…as vezes falta um lugar para consolidar o aprendizado. Vou aproveitar sua dica para colocar isso em prática, utilizando o OneNote.
Quais são as suas categorias? Você sinalizou algumas como: Vida, Excelência, Liderança… há mais alguma?
Fiz as minhas, mas acho que consigo aprimolá-las.
“Saúde”; “Mente”; “Espirito”; “Trabalho”; “Empreendedorismo”; “Inglês”
Sobre extrair o máximo de livros, acho que repassar o conhecimento é uma técnica excelente,. Ultilizo um grupo chamado Toastmasters para apresentar os aprendizados que recebo, é uma excelente forma de extrair o máximo dos livros.
Um abraço!
Com o tempo as categorias evoluem e se adaptam às suas leituras, não se preocupe.
Olá Paulo eu comprei o Como ler livros, de Adler mas li algumas páginas do livro mas na hora de por em prática fico todo atrapalhado pois me considero analfabeto funcional e não sei nem por onde começar Deus sabe da vontade que tenho de melhorar mas diante desses obstáculos não consigo avançar e termino por me frustrar é complicado mas vou continuar tentando….Obrigado por compartilhar suas experiências!
Oi Zeck! Não se desencoraje – o importante é focar em ler coisas que te agradem, não só por obrigação.
O passo a passo desse texto é um bom resumo do livro do Adler – basta agora explorar mais leituras que te engajem e, com o tempo, você vai ficando mais fluente em extrair os principais tópicos, interpretando o que ler.
Lembre-se: o primeiro passo é ler sem culpa ou pressão!
abraços
Olá Paulo, estou pensando em começar o meu livro de notas, porém nao gosto muito do papel e caneta e acho q fica dificil encontrar alguma nota especifica após vc ter uma centenas delas. O que vc acha de criar um livro de notas no evernote ? poderia me dar alguma dica de como me organizar por ai ? quais as seções por exemplo ?
abraços
Paulo, por que você abandonou o Kindle? Eu tenho um e adoro muito, utilizo ele até para ler artigos.
Voltei recentemente – o que me fez sair foi a inabilidade de tomar notas, o modelo mais recente é útil para isso.
Há como efetuar marcações e notas dessas marcações. Você já viu o novo Kindle Voyage? Eu adoraria comprar, mas eu já tenho o Paperwhite, aí não valeria muito a pena
Artigo excelente! Abençoado seja o Google, encontrei a inspiração que eu queria.
Sobre livros com essa mesma temática, recomendo “A Vida Intelectual”, de Sertillanges. Em um dos capítulos, ele destaca essa metodologia de separar as notas e classificá-las por temas.
Cara que espaço maravilhoso. Caí aqui através do Google e não consigo mais sair. Muito obrigado.
Muito bom o texto. Vou começar praticando com ele já. Vou copiar num arquivo txt aqui e fazer notas. Daqui uns dias vou voltar e refletir sobre elas. Muito obrigado