Uma Régua para Medir Seu Progresso em Sabedoria

Uma Régua para Medir Seu Progresso em Sabedoria

Nós buscamos desenvolvimento em várias áreas: produtividade, finanças, carreira, saúde, relacionamentos, caráter e sabedoria. Os 5 primeiros temas são ou podem ser acompanhados por métricas óbvias ou possuem mecanismos claros de feedback que nos ajudam a corrigir o curso (é transparente quando um relacionamento está indo mal, por exemplo). Mas e os últimos 2 – sabedoria e caráter; como saber que somos pessoas melhores?

É possível sempre possível observar o quão próximo sua vida está de vidas ideais que te norteiam. Em um mundo povoado por princípios religiosos, você pode se perguntar, por exemplo, o quão próximo seu dia a dia se aproxima de Cristo; não o quão perto você está se ser crucificado, mas quais qualidades Cristo expressava em sua vida tem se feito presente no seu dia a dia. Para quem busca guia na filosofia, você pode comparar sua vida a de Socrates, Aristóteles ou ao sábio ideal estóico.

Manter seu ideal a vista e comparar sua vida a ele é uma ideia antiga. Sêneca disse (carta XI):

“Escolha alguém cujo jeito de viver, assim como as palavras, e cujo próprio rosto como espelho do caráter que está por trás, ganhou sua aprovação. Esteja sempre se referenciando a ele seja como seu guardião seja como se modelo. Há uma necessidade, a meu ver, de alguém como um padrão pelo qual nossos caracteres podem se medir. Sem uma régua para referenciar, você não tem como endireitar o torto.”

Contudo, ter esse ideal em vista nunca pareceu suficiente. É necessário, mas sozinho não dava conta de agir como termômetro do progresso. Até que me deparei, por acaso, em um livro classicista, com uma discussão em torno do tema que vale a pena elencar aqui.

O autor, Quintus Curtius, é também tradutor de latim, tendo estudado amplamente os grandes nomes da literatura greco-romana. Nesse viés, se assemelha a Montaigne, cujos ensaios servem de uma boa porta para as melhores leituras da Antiguidade. Do ensaio The March of Wordly Wisdom, do livro Thirty Seven: Essays On Life, Wisdom, And Masculinity, seguem os pontos sugeridos mais comentários meus.

Alguns sinais de progresso em sabedoria e caráter:

→ Você está fazendo contribuições e adições regulares a sua filosofia de vida

Sabedoria não vem da noite para o dia; e se você acha que veio, tem alguma coisa errada. As lições vão acumulando aos poucos, seja de erros próprios ou de seus estudos. Por isso, é essencial que você tenha um repositório para seus aprendizados, uma vez que eles se valorizam com o tempo.

→ Você começa a notar conexões entre coisas (ideias, lugares, personalidades, emoções etc) previamente não percebidas.

No campo das ideias, esse é um dos pilares da criatividade – absorver de fontes distintas para cultivar ideias novas. Como Taylor Pearson fala: “Seja diletante no que você consome e focado no que você produz”.

Para a vida, é ainda maior. Tudo que você faz, sente e vivencia é uma fonte de informação que te ajuda a se entender melhor. Por exemplo, quando estava aprendendo a dirigir, eu ficava irritadiço quando as pessoas me davam dicas de direção. Só depois vim descobrir que isso acontecia porque enxergava direção como uma metáfora para a vida e não achava que as outras pessoas poderiam contribuir para o caminho tão diferente que estava perseguindo.

Esse tipo de insight é comum surgir durante sessões de terapias, não porque haja alguma técnica psicológica por trás, mas simplesmente porque é durante aquele momento em que criamos o hábito de nos observar como se fossemos uma entidade externa de olho em nosso comportamento.

O que, aliás, é um ótimo exercício para você fazer, independente se faz terapia ou não. Observe a si mesmo por uma semana – note o que você gosta, o que te incomoda, como você reage. Será uma fonte de aprendizado sobre a conexão dos diversos fatores da sua vida.

→ Você começa a perder entusiasmo para estar ao redor de pessoas sem ambição ou objetivo

Em 2017, gradualmente me afastei de amigos e colegas próximos porque simplesmente não conseguia lidar com a postura que eles tinham perante a vida. Não me entenda mal – a ideia não é se fechar em uma bolha. Aliás, hoje vejo que só quando se ama muito alguém e quando você enxerga que tem “estrutura para lidar” com a situação que você mantém gente negativa/desalinhada com seu objetivo de vida por perto, na esperança de causar um impacto positivo na vida delas.

Mas ninguém é herói e, por questões práticas, não dá para se manter perto de todo mundo, então é natural que o entusiamo comece a esvair. Todos temos tempo limitado – vai passar com alguém que te inspira ou te entristece?

Outro ponto importante é que quanto mais você se desenvolve, mais sua excelência começa a incomodar as pessoas, mesmo as próximas. Esse era um tema recorrente nos primeiros anos de escrita de Sebastian Marshall; a seguinte passagem encapsula bem (do texto Não sabe o que está fazendo com sua vida?):

“Enquanto você se torna excelente, você mostra a eles o que eles *poderiam* ser e isso incomoda eles. Visceralmente. Então não fique chateado, sua excelência machuca as pessoas de alguma maneira. Espere constante desencorajemento de pessoas normais.

Eventualmente construa seu círculo social com pessoas ambiciosas, expansivas, legais, caridosas e incríveis, e então você será bem sucedido. Então sim, desencorajamento, avisos e besteiras? Todos nós temos na estrada para o sucesso. Não leve muito a sério. Não odeie pessoas por fazerem isso, mas também não desista”

→ Depressões da mente ou espírito são menos frequente e mais toleráveis

Naturalmente sou uma pessoa cujo estado emocional varia pouco, mas a prática da filosofia tem sido essencial para lidar com as tribulações da vida. Falei de como superei uma tempestade grande ano passado e um guia de como enfrentar dificuldades da vida, que eu também uso para lidar com os problemas.

→ Você é menos perturbado por tolices, absurdos e crueldades do mundo.

Menos perturbado sim. Você passa a reconhecer o potencial para o mal que existe dentro de cada ser humano e trabalhar para “integrar sua sombra”, nos termos de Jung. Uma vez que você entende que existe mal de verdade no mundo, você começa a agir. Sem perturbação, mas motivado à ação precisa para mudar a realidade lá fora.

→ Seu estilo de discurso (ao falar e escrever) começa a mudar

Tenho muito a melhorar aqui. Enquanto o importante não é o estilo, mas o conteúdo, quero me desenvolver como escritor e distinguir melhor minha “voz”.

→ Você começa a perder inflexibilidade ao se prender a suas crenças queridas

→ Você não sente mais a necessidade de convencer ou converter as pessoas para seu ponto de vista.

Esta passagem do texto original sumariza bem a postura que adoto: “As pessoas vão chegar na verdade em seu próprio tempo, nas costas de seus próprios cavalos”.

No final do dia, todo mundo acredita no que quer e quase nunca muda de opinião, por isso não tenho muita paciência para debate. Prefiro escrever, pois desse modo coloco minha experiência de vida e meus aprendizados a disposição de quem “está chegando em seu cavalo”, mas não preciso convencer ninguém a nada.

→ Você se torna menos governado por suas paixões e mais governados por reflexão e razão

→ Você se torna mais focado em ação e menos focado em desculpas

Como parar de planejar e começar a fazer?

→ Você começa a buscar outros homens sábios e a valorizar a companhia deles

Existem muitas pessoas sábias, das quais poderíamos aprender bastante se convivêssemos mais com elas. Como é difícil encontrá-las, dou prioridade a os mentores que escreveram e aprendo com seus livros.

“Pensando a respeito do que exatamente explodiu em minha mente essa tarde, cheguei a essa conclusão: eu tenho cópias mentais de ninguém menos do que Marco Aurélio, Montaigne e Sêneca vivendo em minha cabeça. Essa é a melhor maneira possível de apreciar o que eles poderiam nos ensinar sobre a vida. E sinto como se estivesse trapaceando em relação às pessoas que não têm o hábito de ler.

Se você é Nero e tem Sêneca como conselheiro, bem, isso é legal, quase insanamente legal. Mas quem garante que você vai valorizar o que você tem enquanto você tem? Nero certamente não valorizou.”

do texto “Estava lendo “Meditações”, por Marco Aurélio, quando algo estranho aconteceu

→ Você se presta mais atenção aos detalhes

 

Você já se pegou admirando algo muito bonito sem razão alguma? Por exemplo, veja a seguinte imagem:

Eu fico contemplando quanto de esforço humano, tanto de engenharia, criatividade, quanto de trabalho braçal foi necessário para construir algo maravilhoso assim.

Ou, algo mais simples, veja a seguinte figura de barro:

Quanto mais envolvido em criação você está, mais contemplativo fica. Quem cria sabe como é difícil fazer algo surgir do nada e, ao olhar em volta, tem tanta coisa maravilhosa cheia de detalhe no dia a dia que é inevitável se perder em contemplação de vez em quando.

Por isso acredito ser essencial a dedicação a criação de algo como caminho para sabedoria, não importa o quê. Dedicar-se a criação, de algum modo, nos faz mais humildes –quebramos muito a cara em nossas criações – e gratos, porque nos tornamos capazes de reconhecer o esforço.

→ Você começa a ver a unidade em todas as coisas e o amor desta unidade cresce dentro de você

Este ponto está escrito de modo bem metafísico, é difícil desempacotar o que ele quis dizer.

→ Você se torna cada vez mais atraído ao estudo da filosofia

Quanto mais clareza, mais você se volta a investigar como viver melhor.

→ Você não se sente obrigado a fazer o que você não deseja fazer


Não existe resposta fácil para a pergunta “estou progredindo?”. A investigação é constante, mas fico cada dia mais convencido que é um dos desafios mais interessantes para ocupar nosso tempo: explorar como viver melhor.

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