Pensamentos em Cachê, Feijões Enlatados E a Mentalidade Crítica

Pensamentos em Cachê, Feijões Enlatados E a Mentalidade Crítica

O fato da maior parte de nossa cognição ser baseada em pensamentos em cachê é atribuído à evolução, à forma como nosso cérebro se organiza. Esses pensamentos são uma ocorrência quase tão autossabotadora quanto a sinalização, então é essencial que você entenda esse conceito.

Senta que lá vem história

Imagine o seguinte cenário: você mora em uma casa que costuma receber muitos amigos. De vez em quando sua casa está lotada de gente, de forma inesperada: você nunca sabe quando seus amigos apareceram e eles sempre aparecem aos montes.

Sua solução para não deixar ninguém morrer de forme foi comprar muita comida enlatada e deixá-la guardada no armário. Você não iria ter tempo de sair para buscar comida, pesquisar, preparar pratos e tudo mais com 70 pessoas esperando em casa. Por precisar comprar muito, você só pegou cada alimento em apenas uma marca. Podemos assumir, para simplificar, que a comida enlatada nunca estraga.

Pois bem, alguns dos alimentos, mais tarde você notou, são ruins. Ervilha enlatada, por exemplo, é algo ruim. Assim como ameixas. E feijão. Você adoraria jogá-los fora, mas nunca tem tempo. Pelo menos a lição foi aprendida: ervilha, ameixas e feijão são ruins.

Algumas semanas passam, seus amigos aparecem algumas vezes, tudo corre bem. Certo dia, no entanto, vem para a festa um de seus amigos mais “conscientes”: ele traz comida para a festa, para lhe ajudar. Ele chega e lhe entrega feijão enlatado.

Você já sabe que feijões enlatados são ruins. Não resta dúvida. Seu amigo aponta que são de uma marca diferente, bem cara, que você deveria experimentá-los pois são uma delícia. Você se nega, afinal de contas, não importa a marca: feijões enlatados são ruins.

A festa prossegue, sua vida segue. Nunca você soube o sabor de um bom feijão, ervilha ou ameixa enlatados.

O problema de não revisitar suas crenças

Um dos maiores quebra-cabeças sobre a mente humana é como diabos ela funciona quando a maioria dos neurônios dispara 10-20 vezes por segundo, 200 Hz no máximo. […] Você consegue imaginar ter um programa que usa CPUs de 100 Hz, não importando o quanto delas você tivesse? Você iria precisar de centenas de bilhões de processadores para fazer qualquer coisa em tempo real.

Se você precisasse escrever programas que funcionassem em tempo real para cem bilhões de processadores, um truque que você iria utilizar tanto quanto possível seria fazer cache. É quando você armazena o resultado de operações prévias e procura por eles, ao invés de recomputá-los do zero.

— Eliezer Yudkwosky, Cached Thoughts

A forma como o cérebro humano evoluiu, limitado por sua base biológica, se baseia em uma estrutura na qual pensar sobre as coisas (“fazer operações na máquina”) é custoso. Por isso, muito do que sabemos e acreditamos sobre o mundo é armazenado diretamente como resposta; nunca foi analisado por nós criticamente.

Quando vemos o sinal, o cérebro dispara o que foi guardado sobre aquele sinal e colocamos o conteúdo para fora como se tivesse sido pensado por nós (embora tenha sido absorvido apenas como resposta). Isso explica parcialmente porque as pessoas crescem acreditando em coisas malucas como “a morte é o que dá sentido a vida” ou “gastar 700 reais em um tênis é ok porque precisamos cuidar de nossa pisada” e coisas do gênero.

Se elas tivessem nascido em um lugar onde a morte não era um fenômeno normal e abraçado por todos, nunca, em um milhão de anos, passaria na mente delas por um instante como morrer seria uma ótima e fantástica ideia. O mesmo para gastar centenas de reais em um tênis. E para todos os outros pensamentos que temos armazenados, mas que não visitamos para avaliar.

Pensamentos em cachê ou pensamentos habituais

Outro nome que esse tipo de pensamento pode receber é “pensamentos habituais”.

Você observa o gatilho, o cérebro dispara o conteúdo e você coloca para fora os resultados. Olhando de perto, não é surpreendente que o processo “reconhecimento, associação, completar o padrão”, a linguagem de nossos neurônios, seja tão próxima do processo de formação de hábitos.

Esse processo é insidioso por ser automático: ao identificar o gatilho para o hábito, as áreas de pensamento consciente do cérebro são “desligadas” e áreas mais primitivas conectadas à realização de tarefas automáticas são ativadas. Você literalmente para de pensar a respeito uma vez que o gatilho é disparado.

Isso faz os pensamentos habituais tão difíceis de serem mudados, por mais que sejam idiotices.

  1. Visto do lado de dentro, eles passam a mesma sensação de uma crença que é deliberada, na qual você investiu energia crítica e pensou bastante a respeito.
  2. Sempre que o assunto ao redor do tema é trazido para discussão, o gatilho dispara o hábito, a mente completa o padrão e você nem sente a necessidade de pensar a respeito.

Na história anterior, você pode pensar nas crenças como os alimentos que você tem guardado e a recepção de seus amigos como situações do dia a dia.

Algumas crenças que você absorveu do ambiente são funcionais o suficiente para permitir que você viva sua vida mais ou menos. Assim como alguns dos alimentos que você comprou, mesmo sendo tudo de uma marca, vão ser bons o suficiente para que você continua recebendo seus amigos em casa.

Contudo, algumas crenças absorvidas vão ser malucas, assim como alguns dos alimentos que você armazenou são ruins. O problema é que você começa a achar que “ser ruim” é uma propriedade do alimento e não da marca, o que te impede de querer testar marcas diferentes.

Da mesma forma, muitos pensamentos em cachê são restritivos. Eles impedem seu desenvolvimento. Sempre que alguém traz o tópico em uma discussão ou você se depara em uma situação na vida que leva você a pensar no assunto, o pensamento guardado dispara e você sente que é desnecessário continuar pensando a respeito. Mesmo em situações quando seu amigo lhe oferece um pensamento estruturado de modo diferente, defendendo uma posição diferente.

Não importa se a comida enlatada é de outra marca, você desenvolveu a tendência de nem considerar experimentar. De nem considerar analisar criticamente o que está sendo dito.

Em última instância, você precisa analisar tudo aquilo em que você acredita de perto. Não é possível fazer tudo agora, de uma vez, mas desenvolver o hábito de analisar o porquê de você acreditar no que você acredita é algo fantástico a se fazer com frequência.

Se, ao se questionar, não for possível identificar o porquê de você acreditar naquilo claramente, é uma boa hora para pensar a fundo sobre o tema. Especialmente se você estive prestes a tomar uma decisão importante baseada nessa crença.

  1. Saudações, meu caro!!

    Vou focar meu comentário mais na primeira parte do texto e levar os conceitos para um outro ramo.Enquanto vc falava de como armazenamos as informações em forma de RESPOSTA, a primeira associação que eu fiz foi: APRENDIZAGEM.

    Depois de passar praticamente uma vida inteira somente armazenando respostas (no aprendizado comum) e chegar em um ponto onde muito do que foi armazenado não me servia e/ou era inadequado, me deparei com essa necessidade de criticar o que aprendo e aprender de modo ATIVO. Uma necessidade primeiro pessoal e depois profissional, uma vez que na área em que estou, isso é exigido cada vez mais.

    E é INCRÍVEL qdo as ideias se conectam dessa forma, acrescentando sempre uma vírgula no conhecimento e até permitindo links com assuntos não abordados no texto.

    Abraços!

Deixe uma resposta para Paulo Ribeiro Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Up Next:

10 Conselhos Valiosos Que Extraí dos Últimos +100 Livros Que Li

10 Conselhos Valiosos Que Extraí dos Últimos +100 Livros Que Li