Análise Estratégica: O Príncipe de Maquiavel

Análise Estratégica: O Príncipe de Maquiavel

Ah, você por aqui, meu caro leitor. Como anda?

Recomendo pegar uma xícara de café quente antes de começarmos, o texto de hoje é longo.

Depois de tanto ouvir falar sobre “O Príncipe”, de Maquiavel, eu precisava lê-lo; estava na lista de “clássicos”. Considerei um livro supervalorizado em termos de popularidade e subvalorizado em termos de estratégia.

Deixa eu te dizer uma coisa que você talvez não saiba: o livro é de leitura chata. Há algumas joias escondidas, com alguns insights interessantíssimos, mas é a leitura, embora curta, é cansativa. Para fazer seu ponto, Maquiavel dá várias exemplos de casos contemporâneos (já que foi escrito para um príncipe), o que faz a mente do leitor divagar um pouco por não ter o mesmo conhecimento contextual que o autor assume que o príncipe tenha.

Eu passei meses para terminá-lo, sempre começando, parando e deixando de lado, e pegando novamente.

O livro é uma coletânea dos pensamentos de Maquiavel, os quais ele considera importante para o Príncipe Lorenze Di Pierro. Ele aborda vários temas, sempre buscando lições da história para confirmar seu ponto de vista. Aqui já começa o aprendizado: estudar a história para saber o que é possível.

O ponto interessante a se fazer para o livro é que, embora ele seja largamente lido na área de humanas, pouca gente realmente interpreta o que está lendo, pois alguns insights são difícies de retirar. Isso faz do livro ao mesmo tempo popular (conhecido) e obscuro (pouca gente extraiu o verdadeiro conhecimento dele).

Já pegou seu café? Temos chocolate quente por aqui também, se desejar. Recomendo, pois a leitura vai ser boa e interessante.

Vai lá, eu espero.

Está pronto?  Vejamos algumas anotações e citações.

Dedicatória do livro:

Ao Magnificente Lorenze Di Pierro De Medici:

Aqueles que lutam para obter as boas graças de um príncipe estão acostumados a vir até ele com coisas que consideram mais preciosas, ou nas quais eles o veem com mais prazer; por isso, frequentemente se vê cavalos, exércitos, roupas de ouro, pedras preciosas e ornamentos similares presenteados aos príncipes, válidos de suas grandezas.

Desejando, portanto, me apresentar para sua Magnificência com algum testimônio de minha devoção, eu encontrei em minhas posses nada que goste mais, ou valorize tanto quanto, o conhecimento das ações dos grandes homens, obtido por longa experiência nos afazeres contemporâneos e um contínuo estudo da antiguidade; que, tendo sido refletido com grande e prolongada diligência, eu agora envio, digerido em um pequeno volume, para sua Magnificência.

Um trecho interessante, no mínimo. Destaque por minha parte, gosto demais como ele fala que a posse mais valiosa que ele têm é o conhecimento. Depois das pessoas que amo e são leais a mim, conhecimento também é meu maior bem.
E notem aqui que homens devem ser tratados bondosamente ou definitivamente destruídos, mas não agravados. Onde um machucado que nós fazemos a um homem deve ser de um tipo que não deixe nenhum medo de revanches.

Um pouco de história do Japão para tratar desse ponto.

Toyotomi Hideyoshi era o Governador geral do Japão. Ele trouxe todos os generais japoneses sob sua lealdade, estabeleceu um sistema legal sólido e eficiente e alcançou mais do que qualquer outro na história do Japão: elevando-se da posição de peão servente ao topo do comando. Nós já falamos dele aqui.

Insatisfeito com a maior e mais rápida ascensão da história do Japão, Hideyoshi queria conquistar toda a Coréia e a China. Em 1597, ele lançou a Segunda Campanha na Coréia, enviando como comandante Kobayakawa Hideaki, um general até então leal a ele.

Uma coisa precisa ser dita sobre Hideyoshi: ele não perdia. Ganhou praticamente todas as batalhas que disputou. Era até de se esperar para alguém que saiu de carregador de sandálias até chefe de todo o Japão. Porém, nessa campanha contra a Coréia, o Japão estava perdendo. Apesar de Hideaki ter avançado em terra, as tropas foram destruídas na batalha naval.

Para entender o que estava acontecendo, Hideyoshi mandou um enviado ao Japão, Isida Mitsunari. Mitsunari chega ao Japão, discute com Hideaki (talvez por ter um gênio difícil) e, quando volta ao Japão, coloca a culpa da derrota em nele. Isso pode parecer injusto, já que Hideaki ganhou todas as batalhas que disputou; não era culpa dele o fato da Coréia ter sido capaz de levantar uma resistência tão boa no mar e destruir as tropas japonesas mas, afinal de contas, ele estava no comando.

Ao voltar para o Japão, Hideaki é responsabilizado pela derrota. O que Hideyoshi faz? Ele poderia ter perdoado seu general tão leal ou poderia ter forçado ele a cometer o ritual de suicídio, para limpar sua honra (e a da família). Mas não, Hideyoshi humilha Hideaki publicamente, tira a maior parte das terras dele e corta o estipêndio em 2/3. Erro enorme.

Como Maquiavel diz (e a história ensina), você não deve fazer as coisas pela metade. Perdoar Hideaki? Ok. Executar Hideaki? Ok. Retirar as terras, insultar e rebaixar ele, dando tempo para reconsolidar e reconstruir? Não ok.

Eventualmente, o império de Hideyoshi se divide em duas facções (uma liderada por Tokugawa Ieyasu e a outra liderada pelo ex-general Mitsunari. Ele mesmo, o que gritou e colocou a culpa em Hideaki). Mitsunari incorre no mesmo erro; poderia ter matado Hideaki antes da guerra acontecer, mas não, ele vai lá e promove ele a um posto alto durante a guerra civil.

Resultado? Na batalha decisiva, Hideaki (surpresa, surpresa!) se volta contra seu próprio lado e leva a facção de Tokugawa a vencer a guerra. Ele chega a reaver parte de suas terras, uma melhora no estipêndio, mas a história indica que ele enloqueceu antes de morrer, sem ter reavido sua glória.

Lição: não faça as coisas pela metade.

“O homem sábio deve sempre seguer as estradas pavimentadas pelos Grandes e imitar aqueles que tiveram maior sucesso, de modo que se ele não alcançar a perfeição, ele pode pelo menos adquirir um pouco de seu sabor.”

Huum… soa bonito quando dito. Você não precisa reinventar a roda, se puder evitar. Subir nos ombros dos gigantes e tentar seguir seus passos: algo a ser levado em consideração e um conselho muito subutilizado na sociedade atual. Quantas biografias você já estudou, por exemplo? Que lições você tirou da vida dos grandes homens?

Esse trecho, por sinal, também não deve ser interpretado no sentido de “nunca inovar, sempre repetir o velho”. Não, não! Claro, por mais importante que seja seguir o caminho da Grandeza, você não pode se pegar tentando copiar as atitudes; os cenários são diferentes, cabe a você absorver os princípios e aplicá-los a sua realidade. É seu papel, também, abrir novos caminhos como legado para aqueles que estão por vir. No futuro, seus ombros também servirão de apoio para escalada de outros.

“Aquelas crueldades nós podemos dizer são bem empregadas, se é permitido falar bem de coisas malignas, que são feitas de uma vez por todas pela necessidade de autopreservação e não são continuadas a seguir, mas só o suficiente para modificar a vantagem do governado. Crueldades mal impostas, por outro lado, são aquelas que começam pequenas e aumentam, ao invés de diminuir com o tempo.

Ferimentos, por tanto, devem ser causados de uma vez, para que seu sabor seja menos duradouro e menos ofensivo, enquanto que benefícios devem ser conferidos pouco a pouco, de modo que eles sejam completamente saboreados.”

Eu não sei se consegui fazer um bom trabalho traduzindo esse trecho; até em inglês ele está um pouco confuso. De modo resumido, ele quer dizer: ferimentos devem ser infringidos de uma vez e com intensidade, enquanto bondade deve ser demonstrada pouco a pouco. Isso faz as pessoas terem uma imagem poderosa de você: por um lado, há pulso firme, capaz de atingir com violência; por outro, há bondade e, como ela é pronlogada e distribuída ao longo do tempo, permanece por mais tempo na mente do povo.

Esse insight pode ser importante na formação de alianças no mundo de hoje. Você deve ser sempre uma pessoa boa, mas se alguém vacilar com você, na primeira oportunidade, seja enérgico e não deixe o outro se safar com aquilo. A imagem que você vai projetar é de alguém sério, bom, confiável, mas com quem não se pode agir de má fé. Exatamente a imagem que Maquiavel sugeriu que o príncipe desenvolvesse.

“E embora possa surgir algum papa corajoso, como Sixtus, nem o destino nem a sabedoria poderia livrá-lo desses incômodos. E a vida curta de um papa é também causa de fraqueza; por em 10 anos, que é a vida média de um papa, ele pode com dificuldade reduzir uma das facções; e se, como exemplo, uma pessoa deveria quase destruir os Colonnesi, outra iria subir hostil aos Orsini, que iria dar suporte aos oponentes deles, e ainda não teriam tempo para destruir os Orsini. Essa é a razão pela qual o poder temporal do papa sempre foi pouco estimado na Itália.

Esse trecho é brilhante. Maquiavel trata de como o fato dos Papas passarem pouco tempo no trono os impedia de consolidar o poder destruindo as facções rivais. Afinal, só ficavam em média dez anos, sem ser capaz de se livrar completamente da oposição.

Outro fator comportamental que explica um fato histórico interessante veio a minha cabeça agora trata-se dos Cônsules romanos. Durante a república, Roma era governada por dois cônsules eleitos anualmente. Como a sociedade era absurdamente voltada à cultura da glória, os cônsules tinham muito pouco tempo para fazer algo extraordinário, de modo que as decisões eram sempre tendenciosas para a guerra e expansão.

Inclusive, quando eles iam para guerra, os cônsules alternavam o comando do exército, dia um, dia outro. Com esse conhecimento, Hannibal (que invadiu a Itália e por pouco não destruiu Roma) buscava explorar sempre o cônsul mais explosivo quando era o dia dele de comando, atraindo com emboscadas e insultos.

Sempre quando eles são atacados, a derrota se segue; então em tempos de paz você é saqueado por eles; em tempo de guerras, pelos inimigos.

Trecho sobre o uso de mercenários. Parece que naqueles tempos era difícil ter uma tropa mercenária decente. Pelo que lembro, Hannibal usou mercenários bem, só que acho importante alinhar os interesses de todo mundo na campanha. Será que os mercenários ficaram menos confiáveis ao longo do tempo?

“Duke Filippo morre, os Milaneses colocaram Francesco Sforza contra os Venezianos e ele, tendo vencido o inimigo em Caravaggio, se aliou com eles para destruir os Milaneses, seus mestres.”

Nós já discutimos aqui como essa sequência de alianças e traição foi responsável, ao longo de milhares de anos, por fornecer a intelecto tão superior que os seres humanos tem em relação aos animais.

“Eu também desejo relembrar uma passagem do velho testamento aplicável a esse tema. David se ofereceu a Saul para lutar com Golias, o campeão filistino e, para encorajá-lo, Saul arma ele com suas próprias armas; o que David rejeita assim que ele as coloca, dizendo que não podia fazer uso delas, e que ele desejava encontrar o inimigo com seu badoque e espada. Em uma palavra, a armadura de outros ou é muito larga ou muito aperta para nós; ou falha ou pesa em nosso corpo.”

No momento da batalha, jogue seu jogo; faça o que sabe. Na hora em que tem muita coisa em jogo, use regras que você internalizou e nas quais está confiante.

“Homens são menos cuidadosos sobre ofender aqueles que se fazem amado do que aqueles que se fazem temidos.

Sobre essa questão surge se é melhor ser mais amado que temido ou mais temido que amado? Pode ser respondido que deveria querer ser os dois, mas, já que é difícil uni-los em uma pessoa, é muito mais seguro ser temido do que amado, quando, dos dois, um deles tem que ser escolhido. Porque isso é assertado dos homens em geral, que eles são ingratos, inconstantes, falsos, covardes, cobiçosos, e contanto que você se dê bem eles são inteiramente seus; eles oferecerão a você o sangue deles, propriedades, vida e crianças, como é dito acima, quando a necessidade está longe; mas quando ela se aproxima eles se viram contra você.

E aquele príncipe que, confiando inteiramente em suas promessas, negligencia outras precauções, está arruinado; porque amizades que são obtidas por pagamentos, e não pela grande ou nobilidade da mente, pode de fato serem ganhas, mas elas não estão asseguradas e em tempos de necessidade não podem ser confiadas; e homens tem menos escrúpulos em ofender um a quem amam do que um que é temido, por amor é preservado pelo link de obrigação que, devendo aos homens sem base, é quebrada em cada oportunidade à vantagem deles; mas medo preserva você pelo temor de punição que nunca falha.”

A citação dele mais famosa “é melhor ser temido do que amado“. Como você pode ver, o trecho inteiro é valioso, vale a pena pensar nisso. Juntando o trecho anterior sobre causar dor rápido e bondade de modo prolongado, tem uma passagem de Sebastian Marshall, um mentor nosso discutindo:

“Mas note o trecho ‘se você não pode ser os dois [amado e temido]’. O modo mais alto seria ser amado, estimado e respeitado durante o dia a dia, com algo povoando o canto da mente das pessoas que se eles agirem de má fé com você, você vai ser fonte de inferno e miséria para eles. Isso mantém o traições e destruições arbitrárias em cheque.

Eu acho que amor é mais forte do que medo. Um comandante amado por seus soldados vai derrotar o comandante temido pelos seus doldados em quase todas as batalhas… mas o comandante temido é menos sujeito a chances arbitrárias. Então, os dois tem valor. 95% amor, 5% medo é provavelmente a melhor mistura. Mas os 5% precisam ser você liberando as forças do inferno com precisão fria se alguém se volta contra você.”

Esse trecho do livro destaca como seres humanos têm muito em comum:

“É necessário, de fato, colocar uma bola cor nessa natureza e para ser hábil em simular e dissimular. Mas homens são tão simples, e governados tão absolutamente por suas necessidades atuais, que aquele que deseja enganar nunca falha em encontrar patetas inclinados.”

Talvez isso explique como sempre tem gente caindo em golpes manjados de estelionato, muito embora eles tenham sempre fatores em comum.

“Não é essencial, então, que um príncipe deva ter todas as boas qualidades que eu enumerei acima, mas é muito essencial que ele pareça ter todas elas; eu mesmo me aventuro a afirmar que se ele tenha invariavelmente praticado todas elas, eles causam danos, enquanto que a aparência de tê-las é útil [misericórdia, boa fé, integridade, humanidade e religião].”

Para o príncipe, é mais importante aparentar ser algo do que realmente ser algo, pelo menos em termos de status social. Talvez isso explique o peso evolutivo da sinalização, quando você indica para os outros que tem um comportamento, para ganhar as vantagens sociais de possuí-lo, mas não o tem na verdade.

Só deixando claro que isso é ruim. Muitas vezes nos enganamos com comportamentos ineficientes sem realmente alcançarmos o que queremos. Falei disso em um texto sobre autodidatismo:

“No caso de escolas e professores, ocorre o que é conhecido como auto-sinalização: sinalizamos para nós mesmos que estamos aprendendo e, por isso, terminamos por não aprender (já que apenas o sinal é suficiente para satisfazer a parte de nosso cérebro que demanda por resultados). Nós nos agarramos à ideia de que vamos aprender porque estamos tendo aula, muito embora não tenhamos julgado se isso é verdade, simplesmente porque é mais cômodo achar que estamos aprendendo.

Isso ocorre em outras áreas da vida, como é o caso da caridade. psicólogos descobriram, através de experimentos, que uma boa ação torna as pessoas menos propensas a fazer mais gentilezas. Por que? Porque já sinalizamos para nós mesmos que somos boas pessoas e não precisamos mais nos esforçar para fazer algo bom.”

Autossinalização é ruim, você deve lutá-la. Traiçoeira, pois te dá a sensação de estar chegando perto de seus objetivos, sem estar saindo do lugar.

E para eles isto foi um necessário curso a tomar; por como Príncipes não pode escapar serem odiados por alguns, eles devem, em primeiro lugar, procurar não ser odiados por uma classe; falhando nisso, eles devem fazer tudo que podem para escapar o ódio daquela classe que é mais forte.

Lição: algumas pessoas vão te odiar, invariavelmente. Tente não levantar o ódio de pessoas com potencial de ameaçar seu poder.

Trecho mais longo:

“Para contentar os soldados, não deixaram de cometer nenhuma das ofensas que pudessem contra o povo, e todos, exceto Severo, tiveram triste fim. É que Severo foi tão valoroso, que, conservando a amizade dos soldados, ainda que oprimido o povo, sempre pôde reinar com felicidade, pois aquelas suas virtudes o tornavam tão admirável no conceito dos soldados e do povo, que este ficava, de certo modo, atônito e aqueles – reverentes e contentes.

Conhecendo Severo, a ignávia do Imperador Juliano convenceu o exército, do qual era capitão na Ilíria, de que era conveniente partir para Roma, para vingar a morte de Pertinax, morto pelos pretorianos e, com esse pretexto, sem aparentar que desejava o poder, levou o seu exército contra Roma e chegou à Itália antes ainda da notícia de sua partida.

Chegando a Roma, foi ele, pressionado pelo medo, eleito Imperador pelo Senado, e morto Juliano. Após isso, ainda haviam duas dificuldades para Severo apoderar-se de todo o Estado: uma, na Ásia, onde Pescênio Negro, que chefiava os exércitos asiáticos, se declarara Imperador; e outra no Ocidente, onde também Albino desejava subir ao poder. E como julgasse imprudência declarar-se inimigo dos dois, resolveu atacar Pescênio Negro e enganar a Albino.

A este escreveu dizendo que, tendo sido eleito imperador pelo Senado desejava dividir com ele aquela honra; enviou-lhe o título de César e, por determinação do Senado, tornou-o seu colega. Albino Pensou que tudo fosse verdade, mas Severo, depois de vencer e matar Pescênio Negro e pacificar o Oriente, retornou a Roma e queixou-se ao Senado de que Albino, esquecendo-se os benefícios que recebera dele, tentara matá-lo traiçoeiramente e por isso era forçado a ir puni-lo por ingratidão. Depois, foi ao seu encontro, nas Gálias, e tirou-lhe vida e governo.

Qualquer um que examinar com cuidado as ações deste homem acabará julgando-o um ferocíssimo leão e astuta raposa e verá que foi temido e reverenciado Por todos e não odiado pelo exército, e não se admirará de que ele – homem novo – mantivesse tão grande poder; é que a sua alta reputação salvou-o sempre daquele ódio que lhe poderia ter votado o povo, em razão de suas rapinagens.”

Gostei desse exemplo, principalmente a primeira parte destacada. Ele marchou para Roma e nem precisou atacar a cidade, só a aparência de ele estar chegando lá sem avisar nada a ninguém levou as pessoas a assumirem que ele iria atacar, fazendo com que ele ganhasse o trono. Se fosse pegar o exército e avançar para Roma com o objetivo de atacar, provavelmente não teria conseguido. Porém, só por manter a aparência, conseguiu o que queria.

Em momentos de incerteza, as pessoas acreditam no que é mais conveniente para elas, não necessariamente na verdade. Aparências são coisas poderosas, então os romanos preencheram o vazio de informação com algo que fazia mais sentido para eles.

“Agora, como a própria matéria dá ensejo, não desejo deixar de recordar aos príncipes que tenham há pouco assumido a direção de um Estado, graças ao apoio do povo, que considere bem que motivo o terá levado a favorecê-los; e se não for afeição natural para com eles, e sim descontentamento com o antigo governo, ao príncipe muito dificultosamente apenas será possível manter a amizade daquele, pois impossível será satisfazê-lo.

E analisando bem, com os exemplos que temos das coisas antigas e modernas, com relação a este fato, ver-se-á que ao príncipe é muito mais fácil conquistar a amizade daqueles homens que estavam satisfeitos com o regime passado, sendo, pois, seus inimigos, do que a daqueles que, por estarem descontentes, tornaram-se seus amigos e aliados, auxiliando-o na conquista do Estado.”

Hum… contra-intuitivo, huh? Mais fácil se aliar com o antigo status quo para se manter no poder do que com a facção revolucionária.

Esse capítulo XXI vale a pena ler na íntegra, por isso vou colar ele inteiro aqui. Coisa boa, de verdade.

CAPÍTULO XXI – O QUE CONVÉM A UM PRÍNCIPE PARA SER ESTIMADO

Nada faz estimar tanto um príncipe como as grandes empresas e o dar de si raros exemplos. Temos, nos nossos tempos, Fernando de Aragão, atual rei de Espanha. A este pode-se chamar, quase, príncipe novo, porque de um rei fraco tornou-se, por fama e por glória, o primeiro rei dos cristãos; e, se considerardes suas ações, as achareis todas grandiosas e algumas mesmo extraordinárias. 

No começo de seu reinado, assaltou Granada e esse empreendimento foi o fundamento de seu Estado. Primeiro ele o fez isoladamente, sem luta com outros Estados e sem receio de ser impedido de tal; manteve ocupadas nesse empreendimento as atenções dos barões de Castela que, pensando na guerra, não cogitavam de inovações e ele, por esse meio, adquiria reputação e autoridade sobre os mesmos sem que de tal se apercebessem.

Pode manter exércitos com dinheiro da Igreja e do povo e, com tão longa campanha, estabeleceu a organização de sua milícia que, depois, tanto o honrou. Além disto, para poder encetar maiores empreendimentos, servindo-se sempre da religião, dedicou-se a uma piedosa crueldade expulsando e livrando seu reino dos marranos, ação de que não pode haver exemplo mais miserável nem mais raro. Sob essa mesma capa, atacou a África, fez a campanha da Itália e, ultimamente, assaltou a França; assim, sempre fez e urdiu grandes empreendimentos, os quais em todo o tempo mantiveram suspensos e admirados os ânimos dos súditos, ocupados em esperar o êxito dessas guerras. Essas suas ações nasceram umas das outras, pelo que, entre elas, não houve tempo para que os homens pudessem agir contra ele.

Muito apraz a um príncipe dar de si exemplos raros na forma de comportar-se com os súditos, semelhantes àqueles que são narrados de messer Barnabò de Milão, quando surge a oportunidade de alguém ter realizado alguma coisa extraordinária de bem ou de mal na vida civil, obtendo meio de premiá-lo ou puni-lo por forma que seja bastante comentada, Acima de tudo, um príncipe deve empenhar-se em dar de si, com cada ação, conceito de grande homem e de inteligência extraordinária.

Um príncipe é estimado, ainda, quando verdadeiro amigo e vero inimigo, isto é, quando sem qualquer consideração se revela em favor de um, contra outro. Esta atitude é sempre mais útil do que ficar neutro, eis que, se dois poderosos vizinhos teus entrarem em luta, ou são de qualidade que vencendo um deles tenhas a temer o vencedor, ou não. Em qualquer um destes dois casos será sempre mais útil o definir-te e fazer guerra digna, porque no primeiro caso se não te definires serás sempre presa do que vencer, com prazer e satisfação do que foi vencido, e não terás razão ou coisa alguma que te defenda nem quem te receba. O vencedor não quer amigos suspeitos ou que não o ajudem nas adversidades; quem perde não te recebe por não teres querido correr a sua sorte de armas em punho.

Antíoco invadiu a Grécia a chamado dos etólios para expulsar os romanos. Enviou embaixadores aos aqueus, amigos dos romanos, para concitá-los a ficarem neutros, enquanto os romanos os persuadiam a tomar armas ao seu lado. Esta matéria veio à deliberação do congresso dos aqueus, onde o legado de Antíoco os induzia à neutralidade; a isto, o representante romano respondeu: Quod autem isti dicunt non interponendi vos bello, nihil magis alienum rebus vestris est; sine gratia, sine dignitate, praemium victoris eritis.

Sempre acontecerá que aquele que não é amigo procurará tua neutralidade e aquele que é amigo pedirá que te definas com as armas. Os príncipes irresolutos, para fugir aos perigos presentes, seguem na maioria das vezes o caminho da neutralidade e, geralmente, caem em ruína. Mas, quando o príncipe se define galhardamente em favor de uma das partes, se aquele a quem aderes vence, mesmo que seja tão poderoso que venhas a ficar á sua discrição, ele tem obrigação para contigo e está ligado a ti pela amizade; e os homens nunca são tão desonestos que, com tamanha prova de ingratidão, possas vir a ser oprimido.

Além disso, as vitórias nunca são tão brilhantes que o vencedor não deva ter qualquer consideração, principalmente para com o que é justo. Mas, se aquele a quem aderes perder, serás amparado por ele e, enquanto puder, ajudar-te-á e ficarás associado a uma fortuna que poderá ressurgir. No segundo caso, quando aqueles que lutam são de classe que não devas temer o vencedor, ainda maior prudência é aderir, pois causas a ruína de um com a ajuda de quem deveria salvá-lo, se fosse sábio; vencendo, fica à tua mercê, e é impossível não vença com o teu auxílio.

Note-se aqui que um príncipe deve ter a cautela de jamais fazer aliança com um mais poderoso que ele para atacar os outros, senão quando a necessidade o compelir, como se disse acima, porque, vencendo, torna-se seu prisioneiro; e os príncipes devem fugir o quanto possam de ficar à discrição dos outros. Os venezianos aliaram-se à França contra o duque de Milão, podendo ter evitado essa aliança de que resultou a sua ruína. Mas, quando não se pode evitá-la (como aconteceu aos florentinos quando o Papa e a Espanha levaram seus exércitos a atacar a Lombardia), então deverá o príncipe aderir pelas razões acima expostas. Nem julgue algum Estado poder adotar sempre partidos seguros, devendo antes pensar ser obrigado a tomar, freqüentemente, partidos duvidosos; vê-se na ordem das coisas que nunca se procura fugir a um inconveniente sem incorrer em outro e a prudência consiste em saber conhecer a natureza desses inconvenientes e tomar como bom o menos prejudicial.

Deve, ainda, um príncipe mostrar-se amante das virtudes, dando oportunidade aos homens virtuosos e honrando os melhores numa arte. Ao mesmo tempo, deve animar os seus cidadãos a exercer pacificamente as suas atividades no comércio, na agricultura e em qualquer outra ocupação, de forma que o agricultor não tema ornar as suas propriedades por receio de que as mesmas lhe sejam tomadas, enquanto o comerciante não deixe de exercer o seu comércio por medo das taxas; deve, além disso, instituir prêmios para os que quiserem realizar tais coisas e os que pensarem em por qualquer forma engrandecer a sua cidade ou o seu Estado. Ademais, deve, nas épocas convenientes do ano, distrair o povo com festas e espetáculos. E, porque toda cidade está dividida em corporações de artes ou grupos sociais, deve cuidar dessas corporações e desses grupos, reunir-se com eles algumas vezes, dar de si prova de humanidade e munificência, mantendo sempre firme, não obstante, a majestade de sua dignidade, eis que esta não deve faltar em coisa alguma.

Excelente capítulo, valeu a pena o esforço de ler o livro inteiro. Mais uma vez: defina seu aliado e não faça as coisas pela metade. Se posicione e arque com as consequências. Nada de ficar em cima do muro.

Termino o texto com um trecho interessante do livro, que na versão portuguesa ficou traduzido com uma maneira de pouco impacto, por isso fiz uma tradução livre.

Mas para você não será uma tarefa difícil demais, se você manter diante de seus olhos as vidas e ações daqueles que nomeei acima. Pois embora eles tenham sido homens singulares e extraordinários, eram homens apesar de tudo, nenhum deles teve uma oportunidade tão boa quanto a que se apresenta agora para você.

 

Para quem quiser ler online, disponível aqui. Para baixar o pdf, clique aqui.

  1. Nus gostei mt do post em aprendi mts coisas como,nunca fazer as coisas pela metade,escolher bem quem e o seu aliado,ser bom mais punir aqueles que vacilarem comigo,se posicione arque com as consequencias etc.. vlw msm por ter postado

  2. Parabéns Paulo, ótimo artigo.

    Realmente uma aula de liderança, acredito que em sintese seria: Siga alguns pricipios chaves de grandes homens, não faça nada pela metade, não fique em cima do muro, seja punitivo, enérgico, direto e breve, seja generoso mas aos poucos e dependendo do momento as pessoas julgam mais as aparências do que o ser.

    Acredito que minhas principais falhas ai são a neutralidade, algumas coisas que são feitas pela metade e o ser pouco enérgico e punitivo em certos momentos. Mas vamos melhorar!!!

    Abraços!!

  3. Uma leitura mais fácil, mais adequada e sem menções históricas: Aplicando Maquiavel no Dia-a Dia, autor: Fernando Cézar Gregório

  4. Gostei muito!

    Agora gostaria se saber se entendi bem uma lição que vc não postou no seu comentário, não me lembro a página e nem o tópico, vou tentar descreve-la. Maquiavel dá o exemplo do Duque Valentim que ao conquistar um principado não é recebido bem por aqueles habitantes, então ele propositalmente coloca um administrador opressor lá, voltando fingindo-se alheio aos acontecimentos, se indigna e mata o administrador em praça pública e Maquiavel disse que de caso pensado ele consegue amor e temor do povo.

    Então é isso mesmo ?

    abs.

    1. Não lembro verbatim se Maquiavel disse isso, mas já vi esse tipo de manipulação do público em vários lugares.

      Claro, se você não estar restrito por regras morais, o céu é o limite.

  5. Excelente analise, me interessou a leitura. Talvez eu compre realmente o livro, tem vários adjetivos, apesar de ruins e até mesmo maldosos, é interessante de que como isso tudo, se tornou pura realidade contemporânea.

  6. Autor de “Inteligência & Indústria – Espionagem e Contraespionagem Corporativa”, Marcelo de Montalvão, fala de Nicolò di Bernardo dei Machiavelli, o maior Espião da História, diretamente de Sant´Andrea in Percusina, província de Firenze, local onde ele se refugiu e escreveu “De Principatibus” (Do Principado), atualmente conhecido como “O Príncipe”.

    https://www.youtube.com/watch?v=9tnQzpYIuMI&t=25s

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